Some people think football is a matter of life and death. I assure you, it's much more serious than that.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Destrinchando o arremesso final de Miami no Jogo 5

Obrigado, internet!


De repente, eu me sinto de volta a 2010. Rashard Lewis está sendo titular em um jogo de playoffs e acertando 6 bolas de três, o Spurs parece velho, e a internet voltou a chamar o LeBron de amarelão e criar polêmica em torno de uma jogada decisiva na qual ele passou ao invés de arremessar. Acho que algumas coisas nunca mudam. Essa discussão do LeBron que tinha medo de decidir e não era um jogador decisivo já era ridícula em 2010. Agora que ele ganhou dois títulos, se consolidou como o jogador de basquete mais dominante desde Jordan e um dos 10 melhores jogadores de todos os tempos, ela consegue ser ainda pior.

Eu realmente não preciso - e não vou - gastar meu tempo e 5000 palavras explicando porque é estúpida essa nossa mania de achar que todas as estrelas precisam ter três bolas no saco e arremessar todas as bolas nos finais de jogo, anotar 40 pontos e ganhar partidas sozinhos. Essa nossa noção distorcida parece vir do Michael Jordan, o padrão de excelência e hombridade no basquete, que é famoso em parte por sua enorme coleção de arremessos decisivos... e o que é ainda mais idiota simplesmente por ignorar que Jordan também tem uma enorme coleção de passes decisivos em momentos importantes de jogos. Jogue no YouTube "Jim Paxton 1991 Finals" ou "Steve Kerr Game Winner Utah" se não sabe do que eu estou falando.

Estrelas que tem a bola nas mãos em momentos decisivos não precisam arremessar todas as bolas. A gente quer que elas arremessem porque, sendo os melhores jogadores do time e tudo mais, você imagina que eles tem mais chances de conseguir a cesta do que outros jogadores. Mas não é como se todos os arremessos fossem iguais. Você pode ter um matchup 1-on-1 com o Byron Russell que te permita um arremesso limpo, mas você também pode atacar a cesta e ver três jogadores te atacando, fechando seu caminho mas deixando o melhor arremessador do seu time livre. Nessa situação, a obrigação do jogador que tem a bola nas mãos não é arremessar e fazer a cesta a todo custo, e sim fazer a jogada (reagindo a como a defesa se porta) que maximiza as chances do seu time vencer um jogo. Kobe é famoso por sempre arremessar todas as bolas por cima dos marcadores e acertar vários game-winners, mas o Lakers com ele de Alpha Dog sempre foi um time de meio de tabela em eficiência ofensiva em momentos "clutch". Enquanto isso, o Hornets de Chris Paul, um jogador que muitas vezes preferia fazer um bom passe ao invés de resolver ele mesmo, sempre foi um dos melhores no quesito.

Então realmente não vale a pena gastar saliva com esse debate. LeBron (nem nenhuma estrela) não precisa arremessar todas as bolas e pronto. 

Mas ao invés disso, vamos fazer uma coisa diferente. Vamos ver a jogada em questão, e ver o que aconteceu exatamente. Tendo noção do contexto e da movimentação dos jogadores em quadra, ai sim podemos ver se a jogada foi boa ou não, e podemos ter opiniões educadas para debater.

Primeiro, um pouco de contexto. Faltando 12 segundos, Miami perdia por 2 pontos no G5 contra Indiana, fora de casa, com a posse de bola. Miami pediu tempo para se preparar para a jogada, isolou LeBron contra Paul George no topo do garrafão, e a jogada acabou assim (GIF via SB Nation).




Bom, a primeira coisa a se prestar atenção nessa jogada é o objetivo de Erik Spolestra. LeBron tem a bola no topo do garrafão, e Wade (excelente no jogo) está do seu lado esquerdo. Do outro lado, no entanto, Miami coloca três arremessadores: Ray Allen, Chris Bosh e Rashard Lewis, todos jogadores que merecem atenção de uma defesa no perímetro. 

A idéia da jogada é bem simples: LeBron vai atacar a cesta contra Paul George e tentar um arremesso de alta probabilidade perto do aro. George é um ótimo marcador, mas a combinação de força e velocidade de LeBron é um imenso perigo para qualquer defensor do mundo. E se Indiana não estiver confortável deixando George marcando LeBron no 1-1 e quiserem mandar ajuda uma vez que James chegar no garrafão, então eles terão que deixar algum arremessador perigoso livre, oferecendo uma opção rápida de passe para um dos melhores passadores da NBA. Por isso três arremessadores estão ao mesmo tempo do lado direito da quadra. Miami oferece a Indiana uma escolha - deixar LeBron sozinho no garrafão para empatar o jogo, ou deixar um arremessador livre no perímetro para vencer a partida com um arremesso de 3.

Esse é o objetivo geral da jogada. Mas mais especificamente, no entanto, a jogada é desenhada exatamente para o que ela fez: conseguir uma bola de três na zona morta para Chris Bosh. Chequem o posicionamento dos arremessadores de Miami na jogada: 



Bosh está posicionado na zona morta a direita da jogada, marcado por Roy Hibbert, que está muito mais perto do garrafão do que de Bosh. Hibbert é o melhor defensor de garrafão do Pacers, um cara de 2m17 com braços muito longos que aumentam em muito o nível de dificuldade de qualquer arremesso contestado, e se alguém fosse ajudar George a contar a infiltração de LeBron, com certeza seria ele. E é isso que o Pacers quer fazer: George direciona a infiltração de LeBron para o lado direito, aonde ele sabe que tem a ajuda de Hibbert.

E é exatamente o que acontece: Hibbert desliza para o espaço entre LeBron e a cesta, ocupando o espaço que LeBron iria usar para fazer a bandeja e tornando um arremesso do King muito mais difícil. Mas LeBron sabe que isso provavelmente vai acontecer, e sabe que isso abre uma linha de passe para Bosh, que está sem marcação na zona morta- onde ele está chutando 55% nesses playoffs (7/14 do lado direito). Percebendo a movimentação do pivô de Indiana, James faz a jogada certa e imediatamente faz um passe difícil em alta velocidade.



Indiana marca a jogada perfeitamente: eles sabem que não podem permitir um arremesso fácil de LeBron no aro, então Hibbert precisa ir ajudar, e que isso vai deixar Bosh livre. Mas eles também tem consciência de que deixar Ray Allen livre na linha de três é a morte, então George Hill não pode abandonar sua marcação para ir até Bosh - ele fica no meio caminho entre os dois (mais sobre isso em um minuto). Mesmo se recuperando muito bem na jogada para contestar o arremesso, Bosh ainda recebe a bola com espaço e sendo marcado por um jogador muito mais baixo que ele. Contra uma defesa tão boa, é o melhor tipo de arremesso livre que você vai conseguir. 

Veja de novo a jogada em tempo real, prestando mais atenção na movimentação de Hibbert e em como isso é uma armadilha para conseguir levar a bola até Bosh:



Então as críticas são realmente furadas. Se fosse para fazer a cesta, LeBron teria que de alguma forma finalizar através do contato de George E por cima do wingspan monstruoso, e mesmos e conseguisse de alguma forma fazer isso, o jogo só iria ser levado para a prorrogação. Para um time de Miami que estava jogando fora de casa e com seu melhor jogador com 5 faltas, a prorrogação parece uma opção muito menos desejável do que uma bola de três que garantisse a vitória.

Ao invés disso, Miami executou uma ação para liberar Bosh para um 3PT no canto, e foi exatamente para atingir esse resultado que LeBron fez o passe. Ao invés de tentar um arremesso impossível, ele achou um dos seus companheiros mais confiáveis livre na zona morta para tentar garantir a vitória. Vale lembrar também que LeBron, sem ritmo o jogo todo por problema de faltas, estava arremessando apenas 2-10 na partida, e Bosh (embora em amostras pequenas, claro) tem 70% de aproveitamento na carreira em game tying ou game winning 3PT shots no minuto final de partidas, tinha acertado um 3PT shot crucial alguns segundos antes, e esta chutando 55% em corner 3s nos playoffs. Essa jogada ofereceu a Miami uma chance muito melhor de vencer o jogo do que a original. Foi a jogada certa, independente do resultado.

Ainda assim, existe uma crítica legítima a ser feita a Miami nessa jogada. Mas o problema não foi LeBron James... e sim Rashard Lewis e Ray Allen. Olhe o posicionamento de Big Lew no começo da jogada:



Miami tem Wade do lado esquerdo mantendo Stephenson honesto, e Bosh na zona morta da direita pronto para receber o passe. Mas Allen e Lewis estão muito próximos, o que facilita muito para Indiana: quando Hibbert sair de Bosh para ajudar a conter a infiltração, fica muito mais fácil para alguém se recuperar na direção de Bosh se sua posição inicial já é muito próxima a dele.

Claro, essa screenshot é só do começo da jogada - a partir do momento que LeBron bate para dentro e começa a fazer a defesa se movimentar ao redor deles, eles tem que se movimentar para melhorar o espaçamento, obrigar os seus defensores a acompanhá-los e não deixar ninguém em posição fácil de contestar o arremesso de Bosh.



Funhé.

Quando LeBron infiltra, Lewis deveria se movimentar para o topo do garrafão, atraindo David West com ele para que Ray Allen pudesse ocupar a "quina", atraindo por sua vez George Hill de forma que fosse muito mais difícil para ele contestar o arremesso de Bosh - ou pelo menos oferecesse a Bosh uma opção rápida de passe para o melhor 3PT shooter da história da NBA, completamente livre. Mas isso nunca acontece: Rashard Lewis não se desloca, o que faz com que ele e Ray Allen ocupem o mesmo espaço. Assim Allen não consegue se deslocar mais para atrair Hill, e faz com que West consiga muito facilmente cobrir tanto Allen como Lewis no perímetro. Isso permite a Hill se afastar muito mais de Allen do que se atreveria normalmente, e assim estar em boa posição para contestar o arremesso de Bosh com seus braços enormes.

Veja no GIF abaixo, mais espaçado e que da para ver melhor o que acontece perto da linha de três pontos durante a infiltração de LeBron e seu passe. Prestem atenção em como Lew se atrasa e impede a movimentação de Allen, em como isso permite a West marcar os dois com muito mais facilidade na jogada, e como os dois fatores (o posicionamento de Allen e o fato de que West consegue marcar dois jogadores sozinho) permite a Hill que abandone Ray Allen para contestar muito bem o arremesso. Isso não aconteceria se a movimentação de Lewis e Allen durante a infiltração tivesse obrigado os dois jogadores do Pacers a se mover na direção contrária.




Bosh tinha espaço e é um jogador muito alto, mas sempre atrapalha ter alguém pulando com você dessa maneira. Isso é muito boa defesa do Pacers, mas uma falha crucial de espaçamento por parte de Miami, que facilitou a vida da defesa permitindo dobras fáceis sem desmarcar jogadores importantes. 

Mas a jogada foi correta, a leitura do LeBron perfeita e o Heat conseguiu o arremesso de três que queria. Os arremessos não vão entrar sempre, e se Hill não tivesse conseguido contestar o arremesso talvez ele tivesse mais chances de entrar. Mas Miami conseguiu a jogada que considerava a certa, Bosh teve a chance de vencer a série com um arremesso que ele já acertou muitas vezes ao longo da carreira, mas dessa vez não funcionou. Faz parte do jogo. Mas o erro não faz dessa uma jogada ruim, e muito menos uma decisão errada por parte do LeBron.


Agradecimentos especiais pela ajuda com os GIFs para o consultor de imagens não-oficial do blog, Carlos Leite, e a ajuda geral do Adelmo com as imagens

4 comentários:

  1. Exatamente o que pensei durante o jogo. Erro de movimentação do Allen e Lewis (para mim ouve erro dos dois) permitiram contestar o arremesso. Agora é engraçado como alguém critica uma jogada que o Miami faz o tempo todo, baseado apenas no resultado. A existência de tal jogada é que torna o time do Miami tão perigos, se não tivesse essa capacidade; seria muito fácil fechar o garrafão e ganhar.

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  2. Acho que criticar o desempenho do LeBron James em momentos decisivos nunca foi uma coisa uma burrice tão grande como é hoje.Até concordo que em alguns momentos da sua carreira essas críticas pesadas pareciam o afetar as vezes.Algumas partidas que ele não tomava decisões boas como a dessa jogada ou outros que ele sumia como nas finais de 2011.

    E o grande mérito do LeBron foi ter amadurecido com todas essas críticas(90% injustas).A maneira com que ele domina o jogo é espetacular.Dá a impressão que ele pode ganhar uma partida sozinho quando quiser.Quer coisa mais decisiva e clutch do que isso.

    Podemos criticar o LeBron por muita coisa,por ele ter dado declarações infelizes em certos momentos da carreira,o circo que virou o "the decision",até mesmo a marra e o péssimo desempenho na finais de 2011 num Heat ainda em formação...Mas falar que ele não é decisivo é ser muito cego.

    O único de jeito de parar ele atualmente é que nem ontem.Ele ficando fora do jogo por pelo menos uns 2 períodos e olhe lá.

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  3. Perfeito o comentário!! Também creio que a jogada tinha que ser essa mesmo - pela noite que Lebron estava tendo, e pela atenção que ele atrai, a opção pelo arremeso era a mais acertada. O erro foi na execução da ideia - veja que o Chris Bosh recebe a bola um pouco fora da mão, então perde um tempo precioso acertando a posição, e ainda arremessa meio torto. Naquela posição fica ruim para um canhoto receber a bola e arremessar - como a bola escapa um pouco para fora, ele recebe com a mão direita, e tem que passar pra mão esquerda arremessar, que ainda é o lado que ele oferece para o Hill. Talvez se não fosse o Bosh naquela posição, e sim o Lewis, ou até o Wade, a história poderia ter sido outra. Porém a história não vive de "se"... O que importa agora é que o Miami se classificou e parte para mais uma final!! :)

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  4. É verdade, mas evitei citar isso para não parecer que estava colocando a culpa no LeBron - afinal, foi um passe difícil e o Bosh ainda recebe em ótimas condições. Eu não achei a jogada tão bem montada em termos de design também, mas acho que a idéia era colocar o Bosh do lado direito do LeBron (e portanto mais fácil de fazer o passe), e não acho que da para criticar demais.

    Acho até que se o passe tivesse sido mais centrado o Bosh teria tido tempo e condições de fazer um passe para outro arremessador, mas essa possibilidade foi cortada quando o Lewis não se movimentou e o David West pode marcar Ray Allen e cortar as linhas de passe sem dificuldade. Como você disse, a execução não foi tão boa quanto poderia ter sido, mas ainda foi o arremesso que eles queriam e acho que Miami, embora preferisse mais espaço para Bosh, ficaria satisfeito com ela (tirando o resultado, claro).

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