Some people think football is a matter of life and death. I assure you, it's much more serious than that.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Especial NBA - Bill Russell e Wilt Chamberlain


Pra quem não sabe que Especial é esse e pra que ele serve, leiam esse post antes.

Bill Russell (Boston Celtics, 1965)
Wilt Chamberlein (Los Angeles Lakers, 1972)


Começando nosso Especial, acabei achando que era melhor fazer os posts seguindo algum tipo de cronologia. Por que? Porque eu cheguei à conclusão que a história da NBA é como a história que estudamos no colégio. Em outras palavras, ela não é composta de fatos isolados, e sim uma coisa contínua que vai se construindo em cima de si mesma, evoluindo e mudando. O jogo de basquete em 1965 era totalmente diferente do jogo jogado em 1996. As pessoas que jogavam eram diferentes. As regras, os estilos eram diferentes. E portanto, como vamos abordar diversos times em épocas diferentes ao longo desse Especial, é extremamente importante colocar cada time no seu contexto histórico, cada um jogando em uma Liga um pouco diferente. E portanto, vamos começar do time mais antigo, o Celtics de 1965 do Bill Russell, e do time do seu maior rival, o Lakers de 1972 de Wilt Chamberlain.

Antes de mais nada, a história da NBA pode ser dividida em quatro etapas: Pre-Shot Clock, Pre-Russell, Pre-Merger, e o que veio depois. A primeira delas, Pre-Shot Clock, basicamente não interessa do nosso ponto de vista. Pra quem não sabe, até 1955, os jogos de basquete não tinham o relógio de 24 segundos, e portanto placares como 42 a 36 eram extremamente comuns. Afinal, o time que estava ganhando podia simplesmente ficar segurando a bola, sem nenhuma regra que o forçasse a arremessar. O resultado obvio era que os jogos ficavam extremamente chatos, lentos e de placares baixos, o que ameaçou acabar com a Liga, com sua popularidade muito em baixa. Foi apenas em 1955 que o grande Danny Biasone decidiu criar o Shot Clock, que dava um tempo limite (24 segundos) para os times arremessarem. A partir dai apenas que o basquete virou realmente basquete de verdade, e portanto eu praticamente descarto o que aconteceu em quadra antes disso. Não era realmente basquete. Mas então se o basquete da NBA virou basquete de verdade depois da criação do Shot Clock em 1955, e a NBA virou a NBA que conhecemos hoje depois da fusão entre a NBA e a ABA em 1977 (falaremos mais disso em outro post), porque separar o período entre esses dois marcos entre Pre-Russell e Pós-Russell??

Porque a chegada de Russell (não apenas ele, mas ele foi o mais importante de todos junto com Elgin Baylor) mudou a cara da NBA pra sempre. A NBA, antes de Russell e Elgin, era composta quase que só por atletas brancos, mais baixos e mais lentos, e infinitamente menos atléticos do que vemos hoje. O jogo de basquete era jogado apenas abaixo do aro, onde ninguém defendia. Praticamente consistia de jogadores pegando rebotes, saindo na correria, tentando um arremesso rápido e voltando correndo pra defesa. Não tinha nenhuma eficiência (o FG% da Liga pre-Russell era abaixo dos 40%, ridiculo), era um jogo extremamente cansativo e chato de assistir (tirando uns poucos jogadores como Bob Cousy) e a Liga começou a enfrentar cada vez mais problemas de falta de popularidade pelo seu jogo chato e pouco atraente para os fãs. 

Isso mudou com a chegada na Liga de Russell e Baylor. Pela primeira vez, a NBA teve dois jogadores que mostraram que basquete poderia ser jogado acima do aro. Tanto Baylor (com seu ataque baseado em saltos e no tempo que ele conseguia permanecer no ar pra criar arremessos de alto aproveitamento que ninguém era capaz de contestar além de Russell) como Russell (com sua explosão, impulsão e capacidade atlética em geral, virou a maior máquina de tocos da história do esporte - imagine soltar o Dwight Howard na WNBA) foram os pioneiros desse novo estilo de basquete explosivo, acima do aro (e infinitamente mais divertido) que mudou a direção da Liga e pavimentou o caminho pra NBA como conhecemos hoje. E por conta a superioridade física, jogadores como Russell, Baylor e, futuramente, Wilt estavam num nível muito superior em relação ao resto da Liga (A chegada de Russell quase sozinha acabou com a carreira dos muitos pivôs branquelos e lentos que dominavam a Liga antes da sua chegada. Antes esses pivôs podiam dar seus arremessos e ganchos, lentos e baixo, a vontade, pois ninguém tinha altura e atleticismo pra bloquea-los. Com Russell e o influxo subsequente de jogadores negros e fortes? Eles não tinham a menor chance).

Ainda assim, estamos falando do final dos anos 50/começo dos anos 60. O racismo não era de forma alguma um assunto passado nos EUA, e mesmo com a entrada de jogadores negros na NBA empurrando o jogo em uma direção muito melhor, ainda havia muita resistência a esses jogadores. A Liga ainda era predominante branca, muitos times (como o Hawks, por exemplo) não tinham nenhum jogador negro, e por mais que ficasse claro que os negros eram mais adequados ao esporte com jogadores como Russell, Wilt e Baylor dominando a Liga, a regra não escrita da época ainda era de "No máximo dois jogadores negros por time" (o único time que constantemente ignorava isso era justamente o Boston Celtics. Adivinhe que time ganhou 11 titulos em 13 anos?).

E ai entra a figura mais importante da cartolagem da NBA nos anos 60, Red Auerbach. O técnico/GM do Boston Celtics era, sem outra palavra pra isso, um visionário, à frente do seu tempo. Percebeu logo de cara o potencial de jogadores como Russell e Elgin para dominar essa Liga, investiu em Russell (draftado em 1958 junto com Tommy Heinson), e começou a recrutar jogadores negros (Sam Jones, KC Jones, etc) pra jogar junto de seu pivô. O Boston Celtics, que já tinha um bom núcleo com os veteranos Cousy e Bill Sherman, e as infusōes de Russell, Heinson e Frank Ramsey (calouros), dominou a NBA rumo ao título, cenário que se repetiu nos anos seguintes (Tirando o ano seguinte, 1958, quando perderam para os campeōes Hawks graças a uma lesão em Russell). Aos poucos, juntando o bom núcleo, a liderança de Russell e os recém-chegados como os Jones, o Celtics acabou montando os times mais recheados de talento da história da NBA (numa época onde só tinhamos 8 times era mais fácil) entre 1960 e 1962, ganhando vários títulos. Até hoje, a lembrança que fica daqueles times de Auerbach é a imagem dos times sempre lotados de talento de 1960-62.

No entanto, o time que está no NBA 2K12 é o Celtics de 1965, três anos depois de 1962. Entre 63 e 65, o time já tinha perdido muito em termo de talento: Sherman, Cousy e Ramsey tinham aposentado, Heinson estava muito menos efetivo do que antes, e o time jogava sem nenhum armador além de KC Jones (um excelente defensor, mas incapaz de arremessar ou pontuar, e nunca um bom criador). Ainda que tivesse um bom núcleo com Russell, Sam Jones e um John Havlicek sophomore (ainda longe de ser o Havlicek que viria a ser um dos melhores jogadores da história), nem de longe era o time recheado de talento, claramente superior ao resto da Liga que fora alguns anos antes. O time vivia basicamente confiando em Russell pra defender o aro, cobrindo as falhas de todo mundo, e KC Jones pro perímetro (enquanto todo mundo guardava as energias pro ataque), e todo o ataque do time era baseado na habilidade de passes e de defesa de Russell, seja dando um toco de forma a começar um contra ataque, seja pegando um rebote e fazendo o passe pra algum jogador em velocidade, ou até mesmo na meia quadra confiando na sua capacidade de distribuir o jogo e achar companheiros cortando em direção à cesta, como viria a fazer Bill Walton 12 anos depois (curiosamente, a capacidade transcendental de Russell nos passes, fazendo todo o ataque do time rodar em torno disso apos a aposentadoria de Cousy, acabou sendo esquecida historicamente - não é o tipo de coisa que se possa captar com estatísticas, certo?). Mas o Celtics ainda teve dificuldades pra ganhar o título esse ano, especialmente sete jogos pra passar por cima do Philadelphia 76ers, um time lotado de talento e liderado por Wilt Chamberlain.

Wilt, na verdade, não começou sua carreira no Sixers, e sim no San Francisco Warriors, onde colecionou números impressionantes, recordes e até um MVP, mas nunca conseguiu fazer nada nos playoffs mesmo jogando com dois Hall of Famers (futuramente um terceiro) e alguns All-Stars. Quando o Warriors se encheu de ter que lidar com a individualidade e problemas de vestiário do Wilt, e tendo Nate Thurmond pra apostar no futuro de pivô, trocaram ele por umas migalhas com o Sixers. Lá, a rivalidade Russell x Wilt ressurgiu de novo (afinal, Wilt cansou de ter seu traseiro chutado por Russell em SF). Wilt estava no auge dos seus poderes, e embora Russell já tivesse passado um ou dois anos desse ponto, ainda estava jogando em altíssimo nível. Ainda que o time de Wilt em SF não fosse ruim (não da pra ter times ruins com apenas 8 na Liga, é impossível), sempre fora inferior aos times de Russell (a excessão foi justamente em 1964, quando eram bem parelhos), mas agora em Philly com Hal Greer, Lucious Jackson e Chet Walker, a história era que Wilt finalmente iria assumir seu lugar no topo da Liga.

A rivalidade entre Wilt e Russell, desde o começo, era previsível. Dois jogadores que estavam em outro plano em relação ao resto da Liga. Russell chegou primeiro e estabeleceu o Celtics como uma dinastia com suas proezas defensivas e jogo voltado para o time. Quando Wilt entrou na Liga alguns anos depois, a expectativa era de que ele fosse dominar no nível de Russell e transformar o Warriors na potência do Oeste pra bater de frente com o Celtics. De certa forma, aconteceu: Wilt dominou a Liga como ninguém, acumulou estatísticas que impressionam qualquer um até hoje e se estabeleceu como uma força imparável... Individualmente, porque ele nunca conseguiu transformar isso em sucesso de equipe. Ainda assim, o confronto entre os opostos Russell (ápice da excelência defensiva, jogador de equipe) e Wilt (extremamente individualista, personificação da dominação ofensiva) como os dois melhores jogadores da NBA sempre foi um assunto fascinante pra Liga e pros que a acompanhavam. Eles passaram boa parte dos anos 60 se enfrentando diretamente (com os times de Russell sempre levando a melhor, mas enfim), seus times sempre foram os que atraíram mais atenção, e junto com Elgin foram os três jogadores mais importantes da década de 60. 

E na verdade, esse é meu maior problema com os times históricos do 2K12 (junto com o fato de que deixaram Elgin de fora e incluiram Patrick Ewing): Eles colocaram o time de Wilt sendo o Lakers de 72, um ano que Russell já estava aposentado da Liga! O time de Russell sendo o de 65, mesmo não sendo o melhor ou mais recheado de talento da sua carreira, pode ser explicado por ter tido o melhor record da era Russell (62-18) e porque esse ano teve talvez o momento mais famoso dessa epoca e um dos mais famosos da história da NBA (já chegaremos la). Wilt no Lakers, onde ele já estava na descendente da sua carreira, e pra piorar em um ano onde ele não enfrentou Russell? Absurdo! Wilt pegou o Lakers de 1972 simpesmente porque não dava pra deixar esse time de fora (foi o melhor Lakers pré-Magic e um time muito importante), mas por que não colocar Jerry West com o Lakers de 72 (onde ele foi o melhor jogador) e Wilt no Sixers de 67, no auge de seus poderes e durante sua rivalidade com Russell (e no único ano que ele venceu)? Não faz sentido. Realmente não faz.

(Tangente rápida: Um dos problemas pra dar um time ao Russell vem do fato de que o Celtics nunca teve uma temporada Keyser Soze, aquela temporada que o time simplesmente joga não pra vencer, mas pra destruir e massacrar todo mundo e provar um ponto e que geralmente vingam por anos a fio, como por exemplo o Bulls de 96, o Celtics de 86 ou o Lakers de 87. Por que? Porque eles ganhavam todo ano!! Como motivar um time pra temporada regular quando eles nunca tinham nada a provar e só esperavam os playoffs? Se o Celtics tivesse perdido, digamos, para o Lakers em 62, em 63 eles teriam vindo soltando fogo, jogando com sangue nos olhos e sede de vingança, ganho 70 jogos e teriamos a nossa temporada marcante para o Celtics de Russell. Mas eles só foram perder em 67, quando já estavam muito enfraquecidos pra fazer esse tipo de massacre. E surpresa, eles ganharam em 68 mesmo assim)

A temporada de 1965 acabou com o Celtics vencendo o Lakers, mas o jogo definitivo da temporada foi o jogo 7 das Finais do Leste, onde o Sixers de Wilt levou a série a 7 jogos. O Jogo 7 dessa série é um dos mais famosos de todos os tempos da NBA, um jogo que foi decidido nos segundos finais, com Celtics um ponto na frente e que terminou com a lendária roubada de Hondo ao som de "Havlicek stole the ball!! It's all over!!". Foi o sétimo título consecutivo do Celtics (eles ainda chegariam a oito antes de Auerbach aposentar e o Celtics perder para o Sixers em 67) em um time que nem de longe estava tão estocado de talento mas que ainda tinha Sam e KC Jones, Havlicek novinho e, claro, Russell comandando o time. Abaixo o vídeo da roubada de Havlicek que definiu a série:


Os anos seguintes foram duros para o Celtics. Heinson aposentou antes da temporada de 1966 (venceram Philly em 5, depois Lakers em 7 nas Finais), e KC Jones e principalmente Auerbach aposentaram (com Russell assumindo de jogador-técnico) antes da temporada 1967. Com o pior time do Celtics da era Russell e com Wilt - pela primeira vez - aceitando jogar coletivamente e envolver os companheiros ao invés de arremessar 40 bolas por jogo, Wilt conseguiu seu primeiro titulo com o Sixers e parecia que finalmente ele iria sair da sombra de Russell... Até o Celtics ganhar em 68, o Sixers ficar de saco cheio de lidar com as manias de Wilt e trocá-lo para o Lakers por mais um pacote de Bono vencido (Em 1968, Wilt se irritou com a imprensa o chamando de "egoista" e decidiu provar de uma vez por todas que não o era. Como? Liderando a liga em assistências - perfeito pra quem achava que estatísticas eram tudo no basquete - mesmo que as custas da sua equipe. O Sixers terminou com a melhor campanha mesmo assim - o time estava transbordando talento - mas perdeu para o Celtics nos playoffs em sete principalmente porque Wilt estava tão obcecado em assistências que deu apenas dois arremessos no segundo tempo do jogo 7, e reclamou depois que seus companheiros erraram os arremessos. Depois não entendem porque Wilt foi trocado duas vezes no seu auge).

A chegada de Wilt em Los Angeles, é claro, foi um fenômeno de mídia nacional. Não só o jogador mais polarizador em termos de mídia (e que declarou ter dormido com 20.000 mulheres) estava indo pra Hollywood, como o Lakers era um time que tinha vindo de várias finais e que tinha Elgin (um pouco passado do seu auge graças a uma lesão no joelho) e West. O Lakers destruiu todo mundo pelo seu caminho na temporada regular, chegou na Final como favorito, abriu 2 a 0 no Celtics (um time extremamente velho e baleado que terminou em quarto no Leste)... E perdeu em sete jogos, em Los Angeles, com Wilt mofando no banco apesar de Jerry West ter média de mais de 45 pontos por jogo. So there! (A grande injustiça de 1969 não foi West não ganhar o título, e sim Russell não ter ganho Coach of the Year - me diga outro técnico na NBA que jogasse 40 minutos por jogo)

Apos o titulo, Russell aposentou e Wilt (já passado do seu auge) herdou o titulo de melhor jogador da NBA por default. Passando rapidamente por 1970 (quando o Lakers perdeu na final para o Knicks, no famoso jogo do "And here comes Willis!" que vai ganhar o devido respeito se um dia eu postar do Knicks de 1970) e 1971 (esperem o próximo post, mas Wilt estava machucado), o Lakers chegou em 72 com a definitiva cara de quem está puto e querendo provar um ponto: Foram três anos onde tudo estava a favor do Lakers e eles perderam, mas ainda era um time estocado de talento e com Wilt, West e Gail Goodrich. Se tinha um ano pro Lakers emendar uma temporada Keyser Soze e aniquilar todo mundo no seu caminho, era essa.

E aconteceu? Pode apostar que sim! No começo da temporada, Elgin Baylor aposentou, sentindo as lesōes e o desgaste e afirmando que "O time é muito bom, e eu não quero atrasá-los, que é o que aconteceria se eu ficasse" (o que me faz gostar mais ainda do Baylor - me diga outro jogador na história da NBA que teria feito isso, lembrando que Baylor nunca tinha ganho um anel e esse ano o Lakers era de longe o favorito). O Lakers (porque infelizmente Baylor tinha razão) se encaixou, West assumiu de vez o comando do time, o técnico Bill Sharman convenceu Wilt a jogar em equipe e se focar mais em defesa e rebotes (o que ele fez), Goodrich emergiu como um excelente coadjuvante pra West, e o Lakers acabou emendando uma sequência de 33 vitórias seguidas (mais longa da história da NBA) e colocou o ponto de exclamação numa temporada quase perfeita com um título. 

Entre todos os times campeōes pre-Merger, o Lakers de 1972 provavelmente foi o segundo colocado no quesito Keyser Soze de "Holy hell, esses caras realmente dominaram e massacraram todo mundo no caminho!" atrás do Bucks de 1971 e logo na frente do Sixers de 67 e do Knicks de 70 (de novo, o time que ganhou 11 titulos em 13 anos nunca teve uma temporada dessas porque eles se entediavam demais durante a temporada regular). Além de ter tido a maior sequencia de vitórias da história da NBA, o Lakers terminou com um point diferential medio de 12.3, teve o melhor ataque E a melhor defesa da temporada, e terminou o ano 20-6 contra times com 49 vitórias ou mais. Ninguém estava encostando nesse time em 1972, ponto! Essa temporada só precisa ser engolida com um grão de sal porque em 1972 a Liga estava começando a expandir (e portanto a diluir) - sem falar no efeito concorrencial da ABA, que estava tirando da Liga vários talentos jovens e, em geral, os jogadores negros e atléticos - e porque Willis Reed estava machucado (e ele era o melhor jogador do maior rival do Lakers), mas ainda assim, 33 vitórias é um recorde que provavelmente nunca vai cair e não da pra negar que o Lakers era um time lotado de talento que destruiu todo mundo no caminho, finalmente dando a West o título que ele merecia. E sem Bill Russell pra atrapalhar (que aliás foi dar um abraço no Jerry West, feliz da vida por ver o Logo ganhando finalmente um anel. Não tinha maior fã de Russell que Jerry West, e vice versa). De novo, porque esse time não foi do West, mesmo? Ele era o astro, ele foi o melhor jogador, e ele que ganhou o primeiro título esse ano! Mas não importa, porque esse Lakers merecia estar aonde está. Uma pena que Baylor não pudesse ter estado lá.

Dois últimos pensamentos rápidos: Primeiro, sempre aceitem estatísticas dessa época entre 55 e 70 com uns quinze grãos de sal. Estatisticamente, não existe período mais inflacionado do que esse na NBA. Era uma época sem linha de três pontos, onde a correria e a má seleção de arremessos ainda predominavam, e qualidade sobre quantidade ainda dominava a Liga apesar de jogadores como Baylor. Cada time arremessava cerca de 110 bolas, e cada time pegava cerca de 90 rebotes por jogo, ou mais. Fica mais fácil entender como Russell e Wilt tinham médias de 20 rebotes por jogo, certo? Sabia que em termos de aproveitamento nos rebotes, Russ e West tiveram apenas as terceiras e quartas melhores marcas da história da NBA, atrás de Dennis Rodman e Moses Malone, por exemplo? Além disso, temos que considerar o fato de que esses jogadores jogavam numa liga predominante branca, baixa e onde ninguém jogava acima do aro além de uns poucos (e goaltendings ofensivos eram válidos). Dwight Howard solto numa liga de jogadores predominantemente brancos, baixos e pouco atléticos (algo como Brian Scalabrines clonados), sem goaltending e arremessando 42 bolas por jogo não dominaria como Wilt dominou e teria médias de 50-22? Provavelmente sim. Talvez eles tivessem dificuldade de se adaptar ao jogo de hoje, por exemplo, e com certeza não dominariam daquela forma. Não podemos descartar, portanto, o efeito da era sobre essas estatísticas. Mas não importa. Não muda o fato de que eles foram pioneiros, dominaram a Liga por anos a fio, e mudaram de vez o jogo pra melhor. Um Rolls-Royce de 2010 é um carro melhor que um de 1960, mas o de 1960 era muito mais impactante pra época, e mais importante. 

Pra terminar, eu sei que tinha prometido não entrar em comparaçōes entre jogadores, mas tem uma que eu não consigo ignorar, que é entre Russell e Wilt (e btw, já aviso que não vou aprofundar no assunto. Isso é assunto para outro post, que eu talvez faça simplesmente porque esse debate envolve tudo que eu acredito sobre basquete). O que eu acho mais engraçado nisso é que isso não era um debate quando Russell (e depois Wilt) se aposentou e nunca foi. Mas isso prova exatamente o ponto que eu fiz no post anterior, usando como exemplo Tim Duncan e Karl Malone: Conforme o tempo passa, as memórias vão se apagando, os vídeos vão ficando mais raros e difíceis de serem encontrados, testemunhas oculares vão envelhecendo... E tudo o que sobra desses jogadores são alguns poucos relatos e diversos dados - pontos, rebotes, assistências, títulos, MVPs, All-Star Games, All-NBA e All-Defenses Teams, etc. E quando não temos mais nos que nos basear, acabamos recorrendo a isso para formar nossas opiniōes. Quando isso aconteceu com Wilt e Russell, as pessoas começaram a olhar os dados e falar "Wilt teve médias de 50 pontos e 22 rebotes em 1962?? Russell nunca passou de 25!! Wilt era muito superior!!" e "Wilt marcou 100 pontos em um jogo?? Woah!", e isso acabou ficando quase definitivo paara avaliar os dois jogadores. E quando essas concepçōes baseadas em fatos tão parciais começam a não bater com a realidade (o fato de que Russell que ganhou 11 títulos, e Wilt apenas dois), começa a se distorcer a realidade para se encaixar nessas preconcepçōes, gerando mitos como o famoso "Wilt não ganhava títulos porque sempre teve times fracos enquanto Russell sempre teve grandes times!" (uma grande mentira quando olhamos pros últimos cinco ou seis anos da carreira de Russell), e tudo porque a avaliação baseada apenas nos números é uma avaliação extremamente limitada. Os números servem pra refletir o melhor no jogo de Wilt (sua capacidade para dominar um jogo individualmente), mas os números não mostram os muitos defeitos de Wilt (o quanto ele destruia seus times por ser um fominha, o fato dele colocar seus números e sua "imagem" na frente da equipe, sua aversão à bola em jogos apertados pelo medo de sofrer faltas, sua má influência no vestiário, etc), enquanto que Russell não tem números tão imponentes (principalmente porque não contavam tocos na época) como Wilt, principalmente porque o melhor do seu jogo (seus passes magistrais que foram o centro do jogo do Boston por tantos anos, sua liderança, o efeito dele colocar o time e a vitória na frente de gloria pessoal ou números, sua inteligência em quadra, o fato dele sempre aparecer quando seu time mais precisa) não podem ser capturados por nenhum número além do fato de que ele ganhou onze títulos. Ainda que "número de títulos" seja muito vagos pra avaliar a amplitude da carreira de um jogador, nada reflete melhor o jogo de Russell do que o fato de que ele acabou sua carreira com mais títulos que qualquer outro jogador.

Adequadamente, o legado que Wilt e Russell deixaram pras geraçōes posteriores foram exatamente o que eles mais valorizaram ao longo de suas carreiras: Wilt, que valorizava os seus números e sua, digamos, imagem mais do que tudo, deixa números espetaculares e superiores a todos os outros. Russell, que valorizava seu time e a vitória acima de tudo, deixa seus onze títulos. Mas infelizmente, nós nunca aprendemos a valorizar o que fez Russell ganhar esses onze aneis, porque não temos outros números mais simples e diretos apoiando. E justamente porque isso é o que acaba ficando de uma era passada, Russell vs Wilt virou um debate. Mas nunca deveria ter virado. Porque, francamente, nunca foi um até o tempo interferir.

4 comentários:

  1. Outro grande texto!! Devo dizer que realmente achava que Wilt tinha sido o melhor pivô de todos os tempos, mas agora, com a apresentação dos seus argumentos minha opinião mudou completamente. Porém me surgiu uma dúvida, caso seja cabível a comparação, seriam classificados como melhores pivôs: 1 - Russell // 2 - Abdul-Jabbar // 3 - Chamberlain ?? Ou Kareem não estaria à frente de Wilt, ou ainda outro pivô que estivesse entre esses três. Ótimo texto, coluna muito promissora!!!

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    1. Como eu disse, não queria entrar muito nessa avaliação de jogadores aqui. Russell vs Wilt é inevitável pra mim porque envolve a base da minha crença em basquete (que tem muito mais ao jogo de basquete do que somente números e destaque individual, e que não pode ser medido por estatisticas) e prova exatamente o ponto que eu quero passar com esse Especial (que tudo isso acaba sumindo com o tempo e sobram apenas os números, que nos dao um retrato extremamente limitado).

      Alem disso, comparar jogadores de epocas diferentes é mais difícil e envolve demais o critério pessoal, como eu disse são ligas diferentes, com regras e estilos diferentes. Na MINHA OPINIAO, esse seria o Top3 sim, nessa ordem. MAs aí é dificil demais avaliar, muito pessoal.

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  2. Cara, o Sormani disse que o basquete não é um esporte coletivo, então lógico que o Wilt foi melhor kkkkk
    A gente lê cada coisa.

    Excelente post AGAIN.

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  3. Cara, que texto! Acabei de ter uma aula de basquete, uma aula de NBA tanto histórico como atual, porque define as raízes de coisas que acontecem hoje. E de graça!
    Tiro o meu chapéu.
    Parabéns mesmo.

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