Pra quem não sabe que Especial é esse e pra que ele serve, leiam esse post antes.
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Isiah Thomas (Detroit Pistons, 1989)
Magic Johnson (Los Angeles Lakers, 1991)
Depois de algum tempo sem posts, vamos retomar de onde terminamos da última parada: Os anos 1980-1987, que pode ser melhor representado pela rivalidade entre as duas maiores estrelas da NBA na época, Larry Bird e Magic Johnson. Agora que sabemos a história desse período, vamos avançar um pouco na história da NBA, fazendo a ponte entre o fim da Era Bird/Magic (Com o último grande momento da rivalidade em 1987) e o começo da Era Jordan, em 1991 (não se preocupem, chegaremos lá). E pra tratar desses quatro anos entre 1987 e 1991, eu preciso de dois jogadores, dois dos melhores jogadores de todos os tempos a jogar a posição de armador e dois dos maiores líderes da história da NBA e da sua geração: Magic e Isiah Thomas.
Vocês já sabem agora de como as carreiras de Magic Johnson e Larry Bird foram, desde o momento que entraram na NBA, muito entrelaçadas e muito semelhantes. Ambos os jogadores entraram na NBA em 1980 e atingiram sucesso imediato (Bird calouro do ano, Magic MVP das Finais) e logo se tornaram a nova face da NBA. Ao longo da década (não vou entrar em detalhes porque já o fiz no post de Bird e Kareem) ambos foram os dois jogadores mais polarizadores e mais interessantes da Liga, chegaram a múltiplas finais e jogaram num nível tão alto que nenhum outro jogador individualmente conseguiu atingir nesse período entre 80 e 87. Ambos ganharam 3 MVPs e definiram o padrão de excelência das suas respectivas posiçōes, dominando a Liga e com pelo menos um dos dois chegando em TODAS as Finais da NBA entre 1980 e 1989. Ambos eram grandes líderes, passadores altruístas que elevavam o nível de toda a equipe e dois dos jogadores mais amados da época. E, claro, foram dois dos jogadores mais importantes da história do basqeute. Os dois até aposentaram muito próximos, Magic em 91 (pela primeira vez) e Bird em 92. Então sim, as carreiras de Magic e Bird foram extremamente semelhantes sob praticamente qualquer ponto de vista.
Mesmo assim, a carreira dos dois jogadores apresenta duas diferentes importantes. O primeiro detalhe é um pouco mais insignificante, que é o fato de que Bird foi o Alpha Dog do Celtics desde o momento que pisou em Boston até o momento da sua aposentadoria, enquanto Magic apenas tomou o controle da equipe de Kareem (um dos maiores jogadores da história) em 1987, conforme já cobrimos no post anterior. Mas a segunda diferença é mais importante, e pode ser melhor ilustrada quando olhamos para os anos entre a última final Bird-Magic em 1987, até o primeiro título de Michael Jordan, em 1991. Em outras palavras, a segunda e mais importante diferença entre as carreiras de Magic e Bird foram como esses jogadores atingiram o final de carreira, passado seu auge em 1987.
Depois de levar um baleadíssimo Celtics nas costas nos playoffs de 1987 em um banho de sangue extremamente físico de sete jogos contra Detroit, e de quase levar o Celtics por cima de um sensacional time do Lakers nas Finais, Bird (agora com 31 anos) começou a ter problemas físicos, especialmente nas costas. Não é a toa que, depois de jogar 4000 minutos (41 por jogo na temporada regular e 44 por jogo os playoffs) só na temporada 1987, encarando durante boa parte do tempo times físicos como Detroit ou Atlanta, e tendo que quebrar por muito tempo um galho no garrafão com Bill Walton fora e Kevin McHale e Robert Parish limitados por sérias lesōes, o corpo de Bird tenha começado a traí-lo. Ainda que tenha conseguido terminar a temporada de 88 em altíssimo nível (30-9-6, 53% FG), Bird perdeu sete jogos por lesão e, por algum motivo, o técnico KC Jones continuou jogando Bird 39 minutos por jogo, até que chegando nos playoffs seu corpo quebrou de vez. Jogando limitado por fortíssimas dores nas costas, Bird não chegou nem a 25 ppg e chutou 45% do campo, jogando absurdos 45 minutos. Com McHale incapaz de se recuperar (nunca mais recuperou, na verdade) de ter jogado os playoffs de 87 com um pé quebrado, e Bird lidando com lesōes nas costas, o Celtics foi presa fácil para o Detroit nos playoffs, sendo eliminado.
O resto da carreira de Bird foi marcado pela mesmas lesōes nas costas que o limitaram em 1988. Jogou apenas 6 jogos em 89, e até o final da sua carreira em 1992 apenas uma vez jogou mais de 60 jogos (1990). Apesar de ter tido bons momentos, e até tido médias de 24-10-8 em 1990, nunca mais foi o mesmo Bird, sempre parecia com dor e sempre chegando no final da temporada com mais milhagem do que seu corpo aguentava. Quando finalmente aposentou em 1992, a triste verdade era que seus últimos anos tinham sido jogando em um nível muito inferior ao que ele seria capaz se seu corpo aguentasse. Aliás, Bird era o tipo de jogador que poderia ter mantido um excelente nível durante muito tempo se seu corpo não o traísse. Ainda que fosse ficando mais lento e menos capaz de seu jogo físico com a idade, ele ainda poderia ter ido até o final dos seus 30 anos sendo um facilitador: Conseguindo roubos, dando passes da entrada do garrafão, rodando a bola com inteligência e arremessando de três. Ele mesmo disse que gostaria de ter feito isso se fosse possível, mas seu corpo não permitiu. Então a carreira de Bird acabou sendo de nove temporadas transcendentais e mais quatro anos nos quais seu corpo não permitiu que ele jogasse naquele nível.
Do outro lado, Magic nunca teve uma lesão pra atrapalhar o fim da sua carreira, tirando obviamente o HVI (chegaremos lá). Se a carreira de Bird foi composta por 9 anos transcendentais e mais quatro anos decadentes, a carreira de Magic foi composta de 12 anos transcendentais, praticamente sem quedas no rendimento e continuamente se reinventando (se HVI não tivesse tirado Magic das quadras em 91, ele teria virado um Power Foward no final da carreira e jogado até uns 38 anos). Depois de tomar o controle do Lakers de Kareem e se estabelecer como o Alpha Dog do time em 1987 e levar o Lakers ao título (vencendo o Celtics de Bird nas finais), Magic continuou liderando o time por mais duas finais com Kareem ainda no time (tambem chegaremos lá) em 88 e 89. Quando Kareem se aposentou após a derrota nas Finais de 89, Magic continuou levando o time sem perder o ritmo por mais dois anos com o combo Vlade Divac/Mychael Thompson no lugar de Kareem, mesmo com a falta de um pontuador de elite no garrafão. Não vou entrar nesses detalhes agora porque vamos falar deles mais pra frente, mas o importante é que Magic conseguiu levar mais três anos de elite na sua carreira, enquanto o corpo de Bird impediu que ele fizesse o mesmo.
Alem disso, existe algum jogador na história da NBA que se reinventou mais com o passar dos anos do que Magic? Quando entrou na NBA em 1980, Magic era o calouro sorridente, rápido e com pensamento ágil que tinha uma habilidade no passe igualada na NBA somente por Bird. Esse Magic extremamente carismático e contagiante foi o responsável por dar vida nova ao Lakers e a Kareem, levando o time à final da NBA. Em 1982, Magic era um jogador mais maduro, mais versátil do que nenhum outro na história, capaz de jogar cinco posiçōes e também seu auge como defensor (quase 3 roubos por jogo). Os números comprovam essa versatilidade e capacidade de fazer tudo em uma quadra: Magic chegou mais perto do que nenhum outro pós-Merger de um triple double (19,6-9,6-9,5). Quando o Lakers trocou Norm Nixon (que dividia as funçōes de armador com Magic) e deu ao camisa 32 as chaves do Showtime em 84, Magic assumiu de vez o controle do time e atingiu seu alge como PG passador e altruísta que rodava a bola (seu auge nessa "fase" sendo 1985). Quando o Rockets destruiu o Lakers em 86 e a idade de Kareem deixou claro que ele não poderia carregar sozinho o ataque de meia quadra, Magic se reinventou como um grande pontuador e assassino nos finais de jogos, com um mortal jogo de costas pra cesta, e assumiu de vez o papel de Alpha Dog do time. E quando Kareem se aposentou em 89, ainda que Magic não tenha mudado seu jogo muito (apesar dele ter virado um bom chutador de três pontos, com 38% atrás do arco), a ausência do veterano fez Magic reforçar ainda mais sua postura de liderança e motivador dentro do elenco, tirando o máximo de jogadores em uma equipe em decadência e mantendo o Lakers relevante por três anos (89, 90 e 91) a mais do que devia. Tirando TALVEZ Steve Nash, nenhum outro jogador tirou mais de seus companheiros, sejam All-Stars, jogadores medianos ou role players, mais do que Magic. Nenhum, nem Nash nem Bob Cousy, era mais imparável puxando contra ataques. Ele foi um dos lideres mais inspiradores e queridos da história do esporte e um dos seus maiores ícones fora de quadra. E ele capturou três MVPs, três Finals MVPs, seis títulos e apareceu em nove Finais em doze anos, além de ser co-capitão do maor time de basquete jamais montado (Dream Team de 92). Isso, meus amigos, é uma carreira.
Por falar nisso, Magic também foi uma pessoa extremamente importante em algo que nada tinha a ver com basquete: AIDS. Seu anúncio em Novembro de 1991 de que ele tinha sido diagnosticado com HIV foi uma das transmissōes mais chocantes da história da televisão, um dos momentos definitivos daquela geração. Mesmo quem não era fã de basquete sabia quem era Magic Johnson e sabia o peso daquelas palavras. Como a AIDS ainda era uma doença da qual pouco se sabia, muitas vezes era tratada de forma um pouco obscura, e muitos acreditavam ainda que só era contraída em casos de relaçōes homossexuais ou por uso de drogas, algo distante de sua realidade. O anúncio de Magic foi um choque não só por ser uma pessoa famosa, mas por mostrar que até um atleta, heterossexual e que não usava drogas podia contrair essa doença sem fazer nada fora da "realidade" das pessoas que se diziam longe da doença. Isso mostrou como a doença era muito mais presente do que as pessoas imaginavam e sabiam. Mesmo a reação coletiva, que perguntava que "Magic vai morrer!?", mostrava como as pessoas eram ignorantes a respeito do virus, e não sabiam sequer a diferença entre HVI e AIDS totalmente desenvolvida. A verdade era que grande parte da população sabia muito pouco sobre essa "nova" doença, e elas precisavam de alguém famoso que pudesse alertá-las e educá-las sobre esssa doença. E Magic assumiu esse papel, dedicando boa parte da sua vida pós-NBA a campanhas de prevenção e conscientização sobre AIDS. Claro que ele não foi o único, mas ele teve um papel importantíssimo no aumento da identificação e conscientização mundial sobre HIV. O seu anúncio (sobre o qual recomendo o excelente documentário da ESPN, "The Announcement") foi um dos momentos mais importantes da época. Some a isso o fato de que Magic foi também um dos ex-jogadores mais bem-sucedidos como investidores fora das quadras (especialmente com cadeias de cinemas na costa Oeste americana) que conseguiu aumentar em muito seus ganhos com basquete (inclusive sendo o principal representante de um grupo que recentemente adquiriu o time de baseball Los Angeles Dodgers), e tudo que nós sabemos sobre sua carreira na NBA, e é difícil achar um jogador de basquete mais importante e que teve mais sucesso do que Magic. E ele continua aí, vivo e saudável, o que de certa forma talvez seja seu maior sucesso.
Mas voltando a falar de basquete, embora a década de 80 conforme cobrimos no post anterior tenha sido marcada pela rivalidade Bird vs Magic, o período que estamos cobrindo no momento precisa que falemos de um outro time, o Detroit Pistons de Isiah Thomas. E na verdade, só a forma como o GM Jack McCloskey montou esse time em torno de Isiah (2nd pick do Draft de 1982) já valeria um post separado, porque foi uma das montagens mais criativas e mais geniais da NBA até onde eu lembro.
Voltemos um momento para os anos 84/85 da NBA, onde sabemos que tivemos duas finais entre os invencíveis na época Celtics e Lakers. Nessa época, o Pistons ainda estava tentando juntar talento em torno do seu melhor jogador Isiah numa tentativa frustrada de desafiar o Celtics no Leste. Mas em 1985, depois de tomar mais uma surra de Bird e companhia, McCloskey entendeu que estava fazendo isso errado. Ele entendeu que nunca iria superar o Lakers e o Celtics simplesmente juntando jogadores talentosos, era uma tarefa grande demais superar times com Bird, McHale, Parish, Dennis Johnson, Magic, Kareem, James Worthy e companhia. Além disso, o que Isiah e McCloskey perceberam assistindo esses dois times e que era muito mais importante, era de que esse sucesso ia muito além de basquete: O segredo do basquete é que não é sobre basquete, como descobriu Isiah (nas suas próprias palavras). O enorme talento de Celtics e Lakers ajudavam, mas Isiah percebeu que isso não era o mais importante. O mais importante era que essas duas equipes realmente funcionavam como um time: Ambos os times tinham uma hierarquia estabelecida, com todos os jogadores sabendo exatamente seu papel na equipe e nenhum tentando desafiar essa ordem. Todo mundo no time jogava pro time, sem se preocupar com seus números ou minutos, e todos sabiam que a forma de vencer era exatamente assim. Jogadores que se preocupassem não em como se destacarem individualmente, e sim jogadores que se preocupassem em fazer o que podia ajudar o time e aos seus companheiros. O time e a vitória vinha sempre acima das preocupaçōes individuais, e não era apenas um ou dois jogadores que deveria saber disso... Era o time todo. Isso foi o que Isiah mais tarde chamou de o "Segredo" do basquete. E é a mais pura verdade.
Sabendo dessas duas coisas, Isiah e McCluskey decidiram montar um time baseado não no talento dos seus jogadores, e sim no "Segredo". Jogadores que se complementasse, jogassem pro time, ajudassem uns aos outros e que sacrificassem seus numeros e minutos pelo time. Um time que não necessariamente fosse o melhor no papel... Mas Isiah sabia que não é no papel que se ganham títulos, e sim na forma como os jogadores interagem e se complementam. E ele estava certo.
Depois da derrota pro Celtics em 1985, McCluskey chegou à conclusão de que apenas três jogadores do seu elenco poderiam fazer parte de um time construído dessa maneira: Isiah, Vinnie Johnson, e Bill Laimbeer. Todo o resto seria dispensável por não ser capaz de se ajustar a um time construido com base em entrosamento e altruísmo ou então por não possuir a flexibilidade e atleticismo que Detroit procurava pra poder bater de frente com Celtics e Lakers. Sabendo que nunca iria ganhar desses times no ataque, Detroit focou também em pegar jogadores versáteis, físicos e capazes de não só defender como cansar fisicamente seus adversários, uma defesa profunda e que estivesse o tempo todo em cima dos oponentes, não dando nenhuma cesta fácil. Assim, McCluskey usou sua escolha de primeira rodada naquele Draft (17th) pra pegar o ótimo defensor Joe Dumars, e trocou Dan Roundfield por Rick Mahorn, um ala mais físico capaz de complementar o lento mas eficiente Laimbeer. Como não foi possível conseguir um jogador de garrafão clássico pra pontuar de costas pra cesta pra fazer a dupla ofensivamente com Isiah, McCluskey optou por cercar seu armador de arremessadores e jogadores mais baixos capazes de pontuar no garrafão: Trocou Kelly Tripucka e Kent Benson (dois pontuadores lentos que não defendiam ninguém) por Adrian Dantley (um swingman cujo poder ofensivo vinha do seu jogo de costas pra cesta e sua capacidade de cavar faltas) e draftou no ano seguinte John Sally (11th pick), um PF para dar flexibildade ao garrafão e cavar pontos perto do aro. Também usou uma escolha de segunda rodada nesse Draft em Dennis Rodman (32nd pick), um combo foward extremamente atlético para ajudar a cansar seus adversários, tornar o time mais forte fisicamente e aumentar a qualidade dos rebotes defensivos da equipe. Em 18 meses, sem nenhuma escolha de Draft no top 10 ou nenhuma troca bombástica, McCluskey montou um time muito sólido e com entrosamento fantástico em torno de Isiah, um time que iria ganhar dois títulos e chegar dolorosamente perto de outros dois nos quatro anos seguintes.
Claro, a chave aqui são as palavras "em torno de Isiah". Esse time de Detroit era espetacular dentro de quadra, mas não o era no papel. Tirando Isiah, o time era composto basicamente de Role Players, pontuadores unidimensionais, jogadores incapazes de criar o próprio arremesso e arremessadores. Ainda que tivessem todos os intangíveis que McCluskey tanto queria depois de assistir Celtics e Lakers dominando a NBA, todos jogadores que jogavam pro time, não se importavam com seus números e que viviam completando uns aos outros em quadra, o time não era exatamente um modelo de pontuação e eficiência, e esses jogadores não teriam sobrevivido se ninguém fizesse eles pontuarem na marra, se tivesse um líder capaz de envolver todos eles e achar os companheiros certos nas horas certas. E aí que entra Isiah Thomas.
Apesar de ter acabado sendo uma das estrelas menos apreciadas da história da NBA (e talvez uma das mais odiadas, tirando talvez Ricky Barry), Isiah Thomas era o modelo do armador puro e um dos melhores jogadores da sua geração. Com um jogo mais completo do que talvez qualquer armador na história da NBA (Isiah era um exímio passador, infiltrador, pontuador, defensor e crunch-time scorer, a única coisa que ele não tinha era um arremesso de três), Isiah percebeu que a melhor forma de maximizar seus talentos na equipe era jogando para ela. Ele dominou a arte de envolver seus companheiros, distribuir o jogo, manter todo mundo no jogo durante os primeiros 45 minutos, para depois resolver sozinho nos minutos finais da partida (hoje, Chris Paul é o mestre dessa arte na NBA). Um grande líder e o tipo de jogador que lidera por exemplo, se mata dentro de quadra, joga pro time e não se importa com seus próprios números, Isiah acabou sendo o jogador perfeito pra implementar e manter o "Segredo" no seu time do Pistons. E no que tange a basquete, tudo centrava em torno dele: Isiah era responsável por infiltrar, distribuir o jogo, desmontar a defesa, achar arremessadores livres, dar pontos fáceis pra jogadores incapazes de criar o próprio arremesso, pontuar quando o time estancava, e ser o responsável pelos pontos nos momentos decisivos dos jogos. Tudo rodava em torno de Isiah, sua capacidade de jogar basquete e sua compreensão do "Segredo", e de passar isso para os demais.
Eu sempre disse que a temporada 2007 do Steve Nash no Phoenix Suns foi uma das mais impressionantes da história do universo no quesito "nível de dificuldade" para um armador: O time era composto de forma a rodar totalmente em torno dele, da sua capacidade de conduzir um contra ataque e o pick and roll, da sua visão de jogos e seus arremessos... Basicamente, o time era construído de forma a utilizar o talento de Nash pra tirar o máximo de bons mas muitas vezes unidimensionais jogadores. Era construído de forma que um e apenas um armador na história da Liga poderia ter conduzido esse time aonde conduziu: Nash. O único rival de Nash nesse quesito? Isiah nesses times do Pistons de 87-90. Eles também eram construídos com jogadores unidimensionais em torno de um único armador e suas capacidades, e Isiah tinha que fazer tudo de uma forma extremamente difícil: Tinha que envolver todos os jogadores, saber quem acionar a cada momento, aproveitar quem estava com a mão quente, dar pontos fáceis para os que estavam frios, acionar cada jogador na melhor situação possível pra maximizar a eficiência dos arremessos, e saber quando insistir nos companheiros e saber quando ficar com a bola nas mãos pra resolver sozinho. O nível de dificuldade é absurdo.
O Pistons também se equipou de uma outra arma, uma arma mais suja e mais psicológica, que era a de perturbar o máximo possível o adversário como o time pudesse. Isso era feito explorando ao máximo o que era permitido pelo escopo de regras da NBA. O time do Pistons frequentemente abusava de faltas duras e violentas quando algum adversário chegava perto do aro, pra intimidar e fazer o oponente pensar duas vezes quando fosse pra uma bandeja ou enterrada (sem bandejas ou enterradas fáceis era a regra do Pistons, eles IAM fazer uma falta feia em voce). Como na época a NBA tinha uma política muito pouco rígida sobre brigas, xingamentos e faltas duras, os jogadores estavam sempre provocando, xingando, fazendo contatos desnecessários fora do lance, dando cotoveladas e basicamente tirando o adversário do sério. A idéia não era machucar o adversário (embora eles não ligassem de fazer isso e até fizessem quando tinham a chance, como Rick Mahorn pisando repetidamente no pé quebrado de McHale nos playoffs de 87), e sim tirar o seu foco do jogo, fazê-nos ficar com medo de tomar uma falta dura ao entrar no garrafão, fazê-los ficarem com raiva e saírem do seu jogo... Em resumo, o objetivo disso tudo era entrar na cabeça do adversário e desconcentrá-los. Quando o adversário parava de focar no jogo pra se preocupar em como bater em alguem ou como se vingar, então o Pistons tinha atingido seu objetivo. Eles acharam uma falha no sistema da NBA, e o exploraram de forma até suja, mas muito eficiente. Quando Pat Rilley levou isso a um nível ainda maior com seu Knicks nos anos 90, a NBA finalmente deu um basta nisso e estabeleceu regras muito mais rígidas pra faltas técnicas, brigas e aumentou as suspensōes que poderiam ser dadas aos jogadores, tirando essa "falha no sistema" da Liga (mais um motivo para odiar Pat Rilley). Mas mesmo assim, sem essa arma, o Pistons dessa época ainda era um time que daria certo em qualquer época. Eles eram o time perfeito pra era do Salary Cap (epenas uma estrela e varios role players, poucos contratos muito caros), e eles tinham uma característica especial de flexibilidade, atleticismo e toughness, sem falar numa imensa competitividade e instinto assassino especialmente do Isiah, que se transferiria para qualquer época.
E foi com essa identidade que o Pistons se lançou em 1987 para desafiar os soberanos Celtics: Um time extremamente flexível e profundo, que poderia se adaptar a qualquer time ou estilo e tinha resposta pra tudo, um time muito físico e com uma defesa muito feroz, um time que era melhor do que qualquer outro em entrar na cabeça do adversário e tirá-lo do seu jogo. Seu ataque era extremamente coletivo e centrado no seu astro, Isiah, e no seu famoso "Segredo". Ninguém no time tinha média de mais de 15 pontos por jogo, e era assim que o Pistons queria: Qualquer um poderia estar num dia bom e ser o cestinha, mas ninguém se preocupava em ser um. E com seu estilo de jogo, o Pistons logo se firmou como uma nova potência no Leste e varreu a conferência até o esperado confronto contra o baleado Celtics, nas Finais de Conferência. E o Pistons aproveitou a chance: Dividiu os quatro primeiros jogos contra o Celtics, e foi pra Boston no Jogo 5 pronto pra roubar um jogo e fechar em casa no Jogo 6. E quase conseguiu: O Pistons abriu 1 ponto de vantagem faltando 15 segundos pro final da partida. E aí que veio o castigo: O Celtics, sabendo que o ideal era virar a partida com o cronômetro zerado, deixou a bola com Bird pra criar seu arremesso. Bird entrou no garrafão e tentou uma bandeja, mas foi rejeitado pelo calouro Rodman, que ainda fez a bola bater em Danny Ainge antes de sair para a lateral. Com apenas alguns segundos no relógio e a posse da bola, parecia que o Pistons tinha o jogo liquidado... Mas Isiah teve uma pane cerebral e lançou a bola na direção da própria cesta para Lambeer, num passe que Bird antecipou a voou para conseguir o roubo, fazendo um passe sensacional para um Dennis Johnson que corria desesperadamente em direção à cesta fazer a bandeja da vitória pro Celtics. Enquanto o Pistons realmente venceu o jogo 6 em casa, o Celtics fechou a série em casa no Jogo 7 pra ir às Finais contra o Lakers. Abaixo, o vídeo da jogada.
(Fato mais underrated dessa jogada: A velocidade de reação de DJ ao cortar para a cesta quando Bird conseguiu o roubo, receber um passe lindo e fazer uma bandeja extremamente difícil por cima de Joe Dumars. Se ele não tivesse percebido a tempo e corrido pra cesta, Bird teria que fazer um arremesso turnaround por cima da tabela pra virar a partida... E o pior, ele provavelmente teria acertado. Mas foi melhor com DJ ali facilitando as coisas pra ele)
Essa derrota acabou sendo muito difícil pro Pistons digerir: Eles tinham o controle da série, tinham o controle da partida e a vantagem, e a bola nas mãos do seu melhor jogador, e estiveram a uma pane cerebral inexplicável de ir às Finais aquele ano. Mas a derrota acabou fortalecendo o Pistons, que teve sua revanche contra o Celtics no ano seguinte, com McHale e Bird machucados, em uma vitória fácil pra levar Detroit às Finais, contra o fortíssimo time do Lakers.
Nas Finais, Detroit conseguiu abrir 3-2 na série, e com um jogo 6 em Los Angeles, o Pistons começou a sentir cheiro de sangue no terceiro quarto: O Lakers não conseguia conter armadores infiltradores, e Isiah sabia que estava a mais dois quartos do seu primeiro título. Ele começou a pontuar. Uma bandeja. Um arremesso curto. Um floater. Quando todo mundo viu, Isiah tinha 14 pontos consecutivos no quarto... Até que, ao cair de um salto, Isiah pisou violentamente no pé de Michael Cooper e torceu fortemente o tornozelo. Carregado pra fora de campo visivelmente com dor, Isiah não conseguiu ficar fora de quadra. Sem conseguir apoiar o pé, Isiah voltou pra quadra e recomeçou a jogar. Um floater. Uma cesta-e-falta sobre Cooper. Uma bola de três. E, nos segundos finais do quarto, outra bola de três pra fechar o quarto com 25 pontos, recorde das Finais, mesmo jogando em um pé só. Mas o Pistons não conseguiu segurar, mesmo com tres pontos de vantagem a um minuto do final: Byron Scott fez uma cesta, Isiah errou um arremesso em uma perna só, os juizes deram uma falta fantasma em Kareem (que converteu os lances livres), e Dumars errou o arremesso da vitória no segundo final da partida. O Lakers venceu o Jogo 7 em casa com Isiah claramente sem condiçōes de jogo, e mais uma vez o Pistons chegou muito perto de um título pra morrer na praia de forma traumatizante. E realmente, o título devia ter sido do Pistons se Isiah não machuca o tornozelo: Eles eram físicos demais no garrafão pro Lakers, e ninguém lá conseguia marcar Isiah. Mesmo com Magic e James Worthy no auge, o time menos talentoso do Pistons era forte, flexível e entrosado demais pra aquele Lakers. Mas com a torção no tornozelo do centro do seu time, acabou sendo demais pro Pistons superar, e a segunda derrota traumatizante em dois anos pra Detroit se confirmou.
Começando 1989, duas coisas importantes aconteceram para Detroit: Primeiro, o time estava extremamente endurecido e irritado vindo de duas derrotas traumáticas nos playoffs, e pronto pra mostrar pro mundo quem eles eram, o que normalmente prenuncia uma temporada Keyser Soze de nível "Holy Hell!" (o que acabou acontecendo). E segundo, ao final dos playoffs de 1988, Dantley começou a reclamar dos seus minutos, em especial por estar ficando no banco nos finais de partida pra dar lugar a Rodman. E aí que a essência do próprio time do Pistons ficou em xeque: O Pistons não era o time mais talentoso da NBA, mas chegou aonde chegou graças à coletividade dos seus jogadores, colocando o time sempre em primeiro lugar em relação aos números pessoais. Chegou aonde estava graças ao equilíbrio e coletividade do seu time. E Dantley, um dos jogadores chaves do time, estava ameaçando implodir tudo isso porque não queria perder minutos para Rodman, o que era importante para o time já que Rodman deixava o Pistons melhor defensivamente e mais atlético. Com essa ameaça, McCluskey e Isiah decidiram que o melhor a fazer era se livrarem de Dantley, mandando ele para o Mavericks em troca de Mark Aguirre (1st pick do Draft de 1982, cuja 2nd pick foi - wait for it... - Isiah Thomas!), um ala com um eficiente jogo de costas pra cesta, mas inferior a Dantley. A troca aconteceu... E empurrou o Pistons a um nível ainda superior. Por quê? Porque a troca não tinha nada a ver com basquete! E essa era exatamente a fundação desse time do Pistons: Não é sobre basquete. Dantley ameaçou o entrosamento e mentalidade altruísta do Pistons, e foi trocado por Aguirre, um jogador inferior mas que aceitou seu lugar no time, continuou fazendo sua parte e nunca reclamou de minutos. A troca tirou poder de fogo do Pistons, mas deu a ela mais flexibilidade, defesa e rebotes (pelo aumento de minutos de Rodman) e, principalmente, melhorou o entrosamento e o ambiente do Pistons. Times não ficam grandes pelo que fazem uma fez, e sim pelo que continuam fazendo uma vez que tem sucesso ou uma grande queda. Dantley ameaçou esse equilíbrio, e o Pistons se livrou dele. Não foi uma troca de basquete, foi uma troca pessoal, mas que resultou no Pistons elevando seu nível e liberando uma temporada Keyser Soze em 1988, que terminou com uma varrida do Lakers nas Finais sem a menor dificuldade (Lakers esse que não tinha perdido nenhum jogo até as Finais). E tudo porque Detroit "piorou" no papel com Aguirre no lugar de Dantley.
Essa normalmente é a parte que eu dou alguns números pra mostrar como a temporada de 1989 do Pistons foi sensacional, como eles massacraram todo mundo e jogara com aquela atitude "Eff-You" que caracteriza os grandes times como Celtics de 86 e o Bulls de 96. Mas eu não vou fazer isso. Assim como não é possível captar o quão bom esse time era apenas no papel, é impossível capturar apenas em estatísticas e números o poder do Pistons dessa temporada. Esse Pistons foi construído em cima de uma coisa que transcende qualquer estatística, o "Segredo", e temos que ir muito além pra podermos compreender o poder disso nesse time. Saiba apenas que, se pudessemos organizar um mega torneio eliminatório com todos os times a serem campeōes da NBA, recriando não apenas seu jogo como sua atitude, o Pistons de 1989 provavelmente seria minha escolha depois de Celtics 86, Lakers 87 e Bulls 96. E isso é um tremendo de um elogio. Nenhum outro time misturava atleticismo, defesa, intensidade, competitividade e toughness que nem esse time de Detroit. E poucos times entendiam e praticavam tão bem o "Segredo".
O Pistons ainda teve mais um ano de sucesso em 1990, quando venceu o Blazers nas Finais, antes de sumir em 1991, quando Michael Jordan enfiou uma estaca no coração do Pistons com a famosa varrida que terminou com os jogadores de Detroit saindo de quadra antes do final da partida. No fundo, era assim que a NBA queria que eles fossem embora: Silenciosamente, talvez sem deixar saudades. Eles deram golpes baixos demais pra serem bem recebidos, e talvez por isso pouca gente lembre deles com respeito pelo grande time que eram, mas com ressentimento. Talvez com razão. Mas eles foram um dos grandes times da história da NBA, um dos que melhor praticou o "Segredo", e o time que fez a ponte entre o fim da era Magic/Bird e o começo da era Jordan. Foram um time tão competitivo e tough que Celtics e Lakers nunca mais foram os mesmos depois de gastar tanta energia pra segurá-los. Você pode não gostar ou até odiar os Bad Boy Pistons - e acredite, eu talvez odeie como torcedor do Celtics- mas tem que respeitar o que eles conseguiram. E se tem uma coisa que eu acredito sobre basquete, é que o esporte transcende em muito o que podemos medir e o que acontece "no papel", que tem muito mais por trás disso tudo, e que o mais importante é como você afeta seus companheiros. E o Pistons se construiu em cima disso.
E enquanto o Pistons fazia sua história com os títulos de 89 e 90, o Lakers passava por um período possivelmente conturbado após a derrota em 1989 com a aposentadoria do seis vezes campeão, seis vezes MVP e três vezes MVP das Finais, Kareem Abdul-Jabaar. Apesar da idade (42 anos), Kareem ainda era importante pro Lakers a ponto do time ter chamado para ele a jogada decisiva das Finais de 1988 no Jogo 6 (quando ele sofreu uma falta inexistente do Laimbeer e acertou os FTs). Quando Kareem aposentou, o time perdeu seu líder veterano e pontuador de garrafão, e muita gente apostou que seria a derrocada do Lakers. Mas Magic assumiu de vez a liderança emocional da equipe, se reinventou como um bom chutador de três pontos, e manteve o time vivo após a saída de Kareem com Vlade Divac e Mychael Thompson no garrafão e Worthy assumindo um papel maior ofensivamente na equipe. A adição de Divac tornou o Lakers o time um pouco mais ágil e que rodava melhor a bola a partir do garrafão, enquanto os minutos de Thompson e AC Green no lugar de Kareem tornaram o time mais flexível e forte fisicamente no garrafão, numa tentativa de compensar a grande perda de poder de fogo e um pontuador nato no garrafão. Depois de perder pra um muito bom time do Suns em 1990, o Lakers deu a volta por cima e chegou forte em 91, se classificando em terceiro no Oeste. Ainda que não fosse mais a potência que era com Kareem, o Lakers conseguiu se reinventar nas costas de Magic o suficiente pra continuar relevante. Nos playoffs, o Lakers varreu um bom time de Houston e ganhou com propriedade de bons times do Warriors e do Blazers antes de chegarem nas Finais como favoritos pra ganhar do Bulls de Jordan e Scottie Pippen. Depois de uma vitória no Jogo 1, com Magic voando, Pippen pediu pessoalmente a Phil Jackson pra marcar o armador do Lakers... E o resto foi história. Pippen marcou Magic com perfeição, o Bulls arremessou 61% de quadra no Jogo 2, Jordan fez isso aqui e Chicago tomou de vez o controle da série, ganhando com tranquilidade os jogos restantes até o título (Apesar das 20 assistências de Magic no Jogo 5, o famoso jogo do "Jordan, who's open??" que vai ganhar o devido crédito quando falarmos de Jordan).
No fundo, Magic nunca ganhou o devido crédito por essas duas temporadas por um problema de percepção. O fato do Lakers não ter chegado às Finais em 90 e ter sumido em 92 acabou passando a impressão de que era um time fraco tentando desesperadamente se manter vivo antes do fim... E talvez fosse de certa forma, mas na verdade também era a história de um time se reinventando depois de perder um dos seus pilares em Kareem. E Magic nunca recebeu crédito por conseguir realizar esse feito com sucesso no comando do time e recolocar o Lakers no topo do Oeste, e possivelmente teria mantido o Lakers ainda mais alguns anos entre o topo do Oeste caso o HIV não o tivesse tirado de vez das quadras (Nenhuma chance desse Lakers envelhecido ganhar do Suns em 1993, mas tinha uma boa chance de ganhar do Blazers de 92 e chegar a mais uma final). Mas foi um feito e tanto, e por isso eu entendo a escolha do ano de 1991 pro Magic: Por mais que eu ainda preferia Magic em 87 e um post apenas de Magic/Bird, o ano de 1991 personificou a longevidade e a capacidade de Magic de manter um time decadente do Lakers relevante e no topo da Liga, depois de aguentar anos de "Ele não consegue fazer sem Kareem!". Mesmo curto e muitas vezes desprezado, esse período da carreira de Magic sem Kareem cimentou seu legado na Liga como líder de uma equipe. O que poderia ter acontecido depois de 1991, só podemos imaginar pois o HIV o tirou das quadras, mas provavelmente teria mantido o Lakers mais alguns anos em boa forma, e se reinventado (pra bem ou pra mal - possivelmente mal) como um Power Foward no final da carreira.
Por outro lado, por mais que o Lakers pudesse se manter mais alguns anos no topo da Liga com mais alguns anos de Magic, tem algo poético com Magic se aposentando no momento que Jordan assumiu de vez seu lugar no topo da Liga. Como o próprio Magic disse sobre as Finais: "Chega um momento em que o jogador que estava no topo da Liga tem que passar a tocha para o próximo que está chegando. Eu nunca passei a tocha pro Jordan. Ele veio e arrancou ela das minhas mãos nas Finais!". Então por mais que eu nunca desejasse Magic aposentando por algo sério como HIV, talvez tenha sido melhor que ele parasse quando estava por cima, no momento que aparecia alguem ainda superior pra lhe tomar a coroa.
Dois últimos comentários um pouco relacionados a Magic: Primeiro, a disputa pelo MVP da temporada 1987 deve ter sido de longe a melhor da história. Não sei porque eu gosto tanto de MVPs na NBA, mas esse é especialmente saboroso: Tivemos Magic ganhando seu primeiro MVP ao se reinventar como um pontuador mortal e tomando o controle do Lakers de Kareem, com médias de 24-12-6. Em segundo lugar, ficou Jordan, com sua temporada gritando "Cheguei!" e sendo o cestinha da Liga com 37 pontos por jogo. E em terceiro porque todo mundo tava cansado de votar nele (tinha sido MVP três vezes seguidas antes dessa temporada), Bird com sua melhor temporada, 28-9-8 (!!!) e chutando 53-40-90. Olhe de novo essas três temporadas e lembre que o cara que quase teve um Triple Double de média ficou em terceiro e que esse foi o melhor ano estatístico de Bird e Magic... Bom, isso que eu chamo de uma corrida pra MVP, certo??
Pra terminar, eu sempre acho engraçado como a história da NBA seria muito diferente se não fosse por um golpe de sorte e uma tremenda burrice de um GM. Claro, sempre podemos argumentar "Ei, se o Blazers pega o Jordan na 2nd pick do Draft ao invés do Sam Bowie, também seria diferente"... E claro, é verdade, mas a história de Magic e Bird indo parar nos seus respectivos times, pra mim, foi a mais engraçada desse ponto de vista porque foram causadas por coisas decisōes que pouco (na verdade nada) tinham a ver com eles. Pois bem, voltemos para 1975. A NBA realizou um Draft de dispersão para alguns jogadores que estavam saindo da ABA e não tinham sido draftados anteriormente por times da NBA, e entre os jogadores draftados, o New Orleans Jazz usou sua escolha em um pivô chamado Moses Malone (sim, AQUELE Moses que foi três vezes MVP e chutou o traseiro do Kareem a vida toda). No entanto, Malone machucou o pé e pouco jogou em 76, e em 77 o Jazz se apaixonou pelo SG que iria virar Free Agent do Lakers, Gail Goodrich. Como naquela época os times tinham que pagar "compensação" ao assinarem um Free Agent, o Jazz decidiu trocar Moses por uma escolha de primeira rodada, juntar com duas escolhas de primeiras rodadas próprias de outros anos (79 e 80), e mandar por compensação pelo Goodrich (Porque, sabe, aparentemente é uma boa ideia trocar duas 1st rounders e um pivô jovem e talentoso por um SG de 33 anos que não defendia ninguém. Btw, vocês não vão acreditar nisso, mas Goodrich rompeu o tendão depois de apenas 27 jogos na temporada e se aposentou. So there!). Uma dessas picks que o Jazz trocou era a de 1980... E claro que o Jazz teve a pior campanha em 1979 e essa escolha nas mãos do Lakers acabou virando a primeira de todo o Draft. Isso aí... Magic Johnson!! De uma tacada, o Jazz perdeu Moses E uma chance de pegar Magic... E o Lakers nunca teria acabado com Magic se não fosse a estupidez do GM do Jazz que decidiu pagar tudo aquilo por Goodrich. O Lakers simplesmente aceitou o presente. Me diga a última vez que uma única troca estúpida mudou tanto o destino de três ou quatro times e diversos títulos.
Com Bird, foi ainda mais esquisito (embora não tão inexplicável como essa troca por Goodrich). De alguma forma, Red Auerbach teve uma pequena pane cerebral antes da temporada de 76 e achou que era uma boa ideia trocar Paul Westphal e Paul Silas por Charlie Scott, Sidney Wicks e Curtis Rowe. Não só Westphal deu vida nova ao Suns (que chegou nas Finais aquele ano) e Silas era um dos favoritos da torcida, os recém-chegados não adicionaram em nada, jogaram mal e irritaram toda a torcida por não se importarem e não darem tudo de si, o que acabou matando o entrosamento do time em 77/78. Em 1978, quando a temporada do time ia pro saco graças a essa falta de ambiente na equipe, Red percebeu a besteira que tinha feito e se livrou dos três. Em particular, Scott foi trocado para o Lakers por Kermit Washington e uma escolha de primeira rodada. No Draft seguinte, a escolha do Celtics foi a número 6, e a recebida do Lakers (via New Orleans ainda na troca do Goodrich) foi a número 8. O Celtics acabou usando sua 6th pick num Junior de Indiana State que só viria pra NBA na temporada de 80 (passando mais um ano no College) chamado Larry Bird, e a 8th pick num ala pontuador chamado Freeman Williams pra substituir John Havlicek. Bom, até ai tudo bem, certo? Acontece que o próprio Red admitiu que o Celtics precisava urgentemente de um ala pontuador e que só pegou Bird pra esperar um ano porque sabiam que tinham outra escolha pra suprir a necessidade mais urgente (o ala pontuador), e portanto podiam se dar ao luxo do tempo com Bird. Em outras palavras, se o Celtics não tivesse a 8th pick vinda da troca de Scott, eles teriam pego Williams com a 6th Pick e não Bird. Ou seja, se Red Auerbach não tivesse cometido o erro de trocar Silas e Westphal, o Celtics provavelmente teria tido uma boa chance de ganhar as temporadas 77 e 78 da NBA (especialmente 78, acho que ninguém tirava do Blazers em 77), mas ao mesmo tempo não teria pego Bird em 79 e nunca teria tido a década de 80 que teve. E depois não entendem porque Red foi o GM de mais sucesso da história: até quando ele errava, dava certo.
A parte mais engraçada? Se o Celtics não tivesse trocado Westphal, provavelmente teria pego Williams na 6th pick e perdido Bird, mas... Aonde Bird iria parar? A 7th pick era do Blazers, que dificilmente teria pego um jogador para esperar um ano dadas as lesōes de Bill Walton e a necessidade de ajuda imediata para um time que queria brigar pelo título pelas ultimas vezes, e a 8th pick teria sido de... Wait for it... Los Angeles Lakers, via Jazz! Como o Lakers tava passando por um período de reconstrução (por isso a troca de Washington), era bem capaz de LA ter acabado apostando em Bird, esperado um ano, e juntado com sua futura 1st rounder do Jazz em 1980 (o próprio GM Jerry West admitiu que queria pegar Bird se tivesse a chance em 1979). Em outras palavras, se Red não troca Westphal por Scott, o Lakers provavelmente iria pegar Bird em 79 e acabar com Bird, Magic E Kareem no mesmo time pelos próximos nove ou dez anos. Holy smokes!! Entendem agora o que eu quis dizer com "pequenas decisōes que nada tinham a ver com Bird e Magic mudando a história da NBA"? Quantos títulos esse time teria ganho pro Lakers? Sete? Oito? Gosto do jeito como as coisas acabaram, muito obrigado!
O resto da carreira de Bird foi marcado pela mesmas lesōes nas costas que o limitaram em 1988. Jogou apenas 6 jogos em 89, e até o final da sua carreira em 1992 apenas uma vez jogou mais de 60 jogos (1990). Apesar de ter tido bons momentos, e até tido médias de 24-10-8 em 1990, nunca mais foi o mesmo Bird, sempre parecia com dor e sempre chegando no final da temporada com mais milhagem do que seu corpo aguentava. Quando finalmente aposentou em 1992, a triste verdade era que seus últimos anos tinham sido jogando em um nível muito inferior ao que ele seria capaz se seu corpo aguentasse. Aliás, Bird era o tipo de jogador que poderia ter mantido um excelente nível durante muito tempo se seu corpo não o traísse. Ainda que fosse ficando mais lento e menos capaz de seu jogo físico com a idade, ele ainda poderia ter ido até o final dos seus 30 anos sendo um facilitador: Conseguindo roubos, dando passes da entrada do garrafão, rodando a bola com inteligência e arremessando de três. Ele mesmo disse que gostaria de ter feito isso se fosse possível, mas seu corpo não permitiu. Então a carreira de Bird acabou sendo de nove temporadas transcendentais e mais quatro anos nos quais seu corpo não permitiu que ele jogasse naquele nível.
Do outro lado, Magic nunca teve uma lesão pra atrapalhar o fim da sua carreira, tirando obviamente o HVI (chegaremos lá). Se a carreira de Bird foi composta por 9 anos transcendentais e mais quatro anos decadentes, a carreira de Magic foi composta de 12 anos transcendentais, praticamente sem quedas no rendimento e continuamente se reinventando (se HVI não tivesse tirado Magic das quadras em 91, ele teria virado um Power Foward no final da carreira e jogado até uns 38 anos). Depois de tomar o controle do Lakers de Kareem e se estabelecer como o Alpha Dog do time em 1987 e levar o Lakers ao título (vencendo o Celtics de Bird nas finais), Magic continuou liderando o time por mais duas finais com Kareem ainda no time (tambem chegaremos lá) em 88 e 89. Quando Kareem se aposentou após a derrota nas Finais de 89, Magic continuou levando o time sem perder o ritmo por mais dois anos com o combo Vlade Divac/Mychael Thompson no lugar de Kareem, mesmo com a falta de um pontuador de elite no garrafão. Não vou entrar nesses detalhes agora porque vamos falar deles mais pra frente, mas o importante é que Magic conseguiu levar mais três anos de elite na sua carreira, enquanto o corpo de Bird impediu que ele fizesse o mesmo.
Alem disso, existe algum jogador na história da NBA que se reinventou mais com o passar dos anos do que Magic? Quando entrou na NBA em 1980, Magic era o calouro sorridente, rápido e com pensamento ágil que tinha uma habilidade no passe igualada na NBA somente por Bird. Esse Magic extremamente carismático e contagiante foi o responsável por dar vida nova ao Lakers e a Kareem, levando o time à final da NBA. Em 1982, Magic era um jogador mais maduro, mais versátil do que nenhum outro na história, capaz de jogar cinco posiçōes e também seu auge como defensor (quase 3 roubos por jogo). Os números comprovam essa versatilidade e capacidade de fazer tudo em uma quadra: Magic chegou mais perto do que nenhum outro pós-Merger de um triple double (19,6-9,6-9,5). Quando o Lakers trocou Norm Nixon (que dividia as funçōes de armador com Magic) e deu ao camisa 32 as chaves do Showtime em 84, Magic assumiu de vez o controle do time e atingiu seu alge como PG passador e altruísta que rodava a bola (seu auge nessa "fase" sendo 1985). Quando o Rockets destruiu o Lakers em 86 e a idade de Kareem deixou claro que ele não poderia carregar sozinho o ataque de meia quadra, Magic se reinventou como um grande pontuador e assassino nos finais de jogos, com um mortal jogo de costas pra cesta, e assumiu de vez o papel de Alpha Dog do time. E quando Kareem se aposentou em 89, ainda que Magic não tenha mudado seu jogo muito (apesar dele ter virado um bom chutador de três pontos, com 38% atrás do arco), a ausência do veterano fez Magic reforçar ainda mais sua postura de liderança e motivador dentro do elenco, tirando o máximo de jogadores em uma equipe em decadência e mantendo o Lakers relevante por três anos (89, 90 e 91) a mais do que devia. Tirando TALVEZ Steve Nash, nenhum outro jogador tirou mais de seus companheiros, sejam All-Stars, jogadores medianos ou role players, mais do que Magic. Nenhum, nem Nash nem Bob Cousy, era mais imparável puxando contra ataques. Ele foi um dos lideres mais inspiradores e queridos da história do esporte e um dos seus maiores ícones fora de quadra. E ele capturou três MVPs, três Finals MVPs, seis títulos e apareceu em nove Finais em doze anos, além de ser co-capitão do maor time de basquete jamais montado (Dream Team de 92). Isso, meus amigos, é uma carreira.
Por falar nisso, Magic também foi uma pessoa extremamente importante em algo que nada tinha a ver com basquete: AIDS. Seu anúncio em Novembro de 1991 de que ele tinha sido diagnosticado com HIV foi uma das transmissōes mais chocantes da história da televisão, um dos momentos definitivos daquela geração. Mesmo quem não era fã de basquete sabia quem era Magic Johnson e sabia o peso daquelas palavras. Como a AIDS ainda era uma doença da qual pouco se sabia, muitas vezes era tratada de forma um pouco obscura, e muitos acreditavam ainda que só era contraída em casos de relaçōes homossexuais ou por uso de drogas, algo distante de sua realidade. O anúncio de Magic foi um choque não só por ser uma pessoa famosa, mas por mostrar que até um atleta, heterossexual e que não usava drogas podia contrair essa doença sem fazer nada fora da "realidade" das pessoas que se diziam longe da doença. Isso mostrou como a doença era muito mais presente do que as pessoas imaginavam e sabiam. Mesmo a reação coletiva, que perguntava que "Magic vai morrer!?", mostrava como as pessoas eram ignorantes a respeito do virus, e não sabiam sequer a diferença entre HVI e AIDS totalmente desenvolvida. A verdade era que grande parte da população sabia muito pouco sobre essa "nova" doença, e elas precisavam de alguém famoso que pudesse alertá-las e educá-las sobre esssa doença. E Magic assumiu esse papel, dedicando boa parte da sua vida pós-NBA a campanhas de prevenção e conscientização sobre AIDS. Claro que ele não foi o único, mas ele teve um papel importantíssimo no aumento da identificação e conscientização mundial sobre HIV. O seu anúncio (sobre o qual recomendo o excelente documentário da ESPN, "The Announcement") foi um dos momentos mais importantes da época. Some a isso o fato de que Magic foi também um dos ex-jogadores mais bem-sucedidos como investidores fora das quadras (especialmente com cadeias de cinemas na costa Oeste americana) que conseguiu aumentar em muito seus ganhos com basquete (inclusive sendo o principal representante de um grupo que recentemente adquiriu o time de baseball Los Angeles Dodgers), e tudo que nós sabemos sobre sua carreira na NBA, e é difícil achar um jogador de basquete mais importante e que teve mais sucesso do que Magic. E ele continua aí, vivo e saudável, o que de certa forma talvez seja seu maior sucesso.
Mas voltando a falar de basquete, embora a década de 80 conforme cobrimos no post anterior tenha sido marcada pela rivalidade Bird vs Magic, o período que estamos cobrindo no momento precisa que falemos de um outro time, o Detroit Pistons de Isiah Thomas. E na verdade, só a forma como o GM Jack McCloskey montou esse time em torno de Isiah (2nd pick do Draft de 1982) já valeria um post separado, porque foi uma das montagens mais criativas e mais geniais da NBA até onde eu lembro.
Voltemos um momento para os anos 84/85 da NBA, onde sabemos que tivemos duas finais entre os invencíveis na época Celtics e Lakers. Nessa época, o Pistons ainda estava tentando juntar talento em torno do seu melhor jogador Isiah numa tentativa frustrada de desafiar o Celtics no Leste. Mas em 1985, depois de tomar mais uma surra de Bird e companhia, McCloskey entendeu que estava fazendo isso errado. Ele entendeu que nunca iria superar o Lakers e o Celtics simplesmente juntando jogadores talentosos, era uma tarefa grande demais superar times com Bird, McHale, Parish, Dennis Johnson, Magic, Kareem, James Worthy e companhia. Além disso, o que Isiah e McCloskey perceberam assistindo esses dois times e que era muito mais importante, era de que esse sucesso ia muito além de basquete: O segredo do basquete é que não é sobre basquete, como descobriu Isiah (nas suas próprias palavras). O enorme talento de Celtics e Lakers ajudavam, mas Isiah percebeu que isso não era o mais importante. O mais importante era que essas duas equipes realmente funcionavam como um time: Ambos os times tinham uma hierarquia estabelecida, com todos os jogadores sabendo exatamente seu papel na equipe e nenhum tentando desafiar essa ordem. Todo mundo no time jogava pro time, sem se preocupar com seus números ou minutos, e todos sabiam que a forma de vencer era exatamente assim. Jogadores que se preocupassem não em como se destacarem individualmente, e sim jogadores que se preocupassem em fazer o que podia ajudar o time e aos seus companheiros. O time e a vitória vinha sempre acima das preocupaçōes individuais, e não era apenas um ou dois jogadores que deveria saber disso... Era o time todo. Isso foi o que Isiah mais tarde chamou de o "Segredo" do basquete. E é a mais pura verdade.
Sabendo dessas duas coisas, Isiah e McCluskey decidiram montar um time baseado não no talento dos seus jogadores, e sim no "Segredo". Jogadores que se complementasse, jogassem pro time, ajudassem uns aos outros e que sacrificassem seus numeros e minutos pelo time. Um time que não necessariamente fosse o melhor no papel... Mas Isiah sabia que não é no papel que se ganham títulos, e sim na forma como os jogadores interagem e se complementam. E ele estava certo.
Depois da derrota pro Celtics em 1985, McCluskey chegou à conclusão de que apenas três jogadores do seu elenco poderiam fazer parte de um time construído dessa maneira: Isiah, Vinnie Johnson, e Bill Laimbeer. Todo o resto seria dispensável por não ser capaz de se ajustar a um time construido com base em entrosamento e altruísmo ou então por não possuir a flexibilidade e atleticismo que Detroit procurava pra poder bater de frente com Celtics e Lakers. Sabendo que nunca iria ganhar desses times no ataque, Detroit focou também em pegar jogadores versáteis, físicos e capazes de não só defender como cansar fisicamente seus adversários, uma defesa profunda e que estivesse o tempo todo em cima dos oponentes, não dando nenhuma cesta fácil. Assim, McCluskey usou sua escolha de primeira rodada naquele Draft (17th) pra pegar o ótimo defensor Joe Dumars, e trocou Dan Roundfield por Rick Mahorn, um ala mais físico capaz de complementar o lento mas eficiente Laimbeer. Como não foi possível conseguir um jogador de garrafão clássico pra pontuar de costas pra cesta pra fazer a dupla ofensivamente com Isiah, McCluskey optou por cercar seu armador de arremessadores e jogadores mais baixos capazes de pontuar no garrafão: Trocou Kelly Tripucka e Kent Benson (dois pontuadores lentos que não defendiam ninguém) por Adrian Dantley (um swingman cujo poder ofensivo vinha do seu jogo de costas pra cesta e sua capacidade de cavar faltas) e draftou no ano seguinte John Sally (11th pick), um PF para dar flexibildade ao garrafão e cavar pontos perto do aro. Também usou uma escolha de segunda rodada nesse Draft em Dennis Rodman (32nd pick), um combo foward extremamente atlético para ajudar a cansar seus adversários, tornar o time mais forte fisicamente e aumentar a qualidade dos rebotes defensivos da equipe. Em 18 meses, sem nenhuma escolha de Draft no top 10 ou nenhuma troca bombástica, McCluskey montou um time muito sólido e com entrosamento fantástico em torno de Isiah, um time que iria ganhar dois títulos e chegar dolorosamente perto de outros dois nos quatro anos seguintes.
Claro, a chave aqui são as palavras "em torno de Isiah". Esse time de Detroit era espetacular dentro de quadra, mas não o era no papel. Tirando Isiah, o time era composto basicamente de Role Players, pontuadores unidimensionais, jogadores incapazes de criar o próprio arremesso e arremessadores. Ainda que tivessem todos os intangíveis que McCluskey tanto queria depois de assistir Celtics e Lakers dominando a NBA, todos jogadores que jogavam pro time, não se importavam com seus números e que viviam completando uns aos outros em quadra, o time não era exatamente um modelo de pontuação e eficiência, e esses jogadores não teriam sobrevivido se ninguém fizesse eles pontuarem na marra, se tivesse um líder capaz de envolver todos eles e achar os companheiros certos nas horas certas. E aí que entra Isiah Thomas.
Apesar de ter acabado sendo uma das estrelas menos apreciadas da história da NBA (e talvez uma das mais odiadas, tirando talvez Ricky Barry), Isiah Thomas era o modelo do armador puro e um dos melhores jogadores da sua geração. Com um jogo mais completo do que talvez qualquer armador na história da NBA (Isiah era um exímio passador, infiltrador, pontuador, defensor e crunch-time scorer, a única coisa que ele não tinha era um arremesso de três), Isiah percebeu que a melhor forma de maximizar seus talentos na equipe era jogando para ela. Ele dominou a arte de envolver seus companheiros, distribuir o jogo, manter todo mundo no jogo durante os primeiros 45 minutos, para depois resolver sozinho nos minutos finais da partida (hoje, Chris Paul é o mestre dessa arte na NBA). Um grande líder e o tipo de jogador que lidera por exemplo, se mata dentro de quadra, joga pro time e não se importa com seus próprios números, Isiah acabou sendo o jogador perfeito pra implementar e manter o "Segredo" no seu time do Pistons. E no que tange a basquete, tudo centrava em torno dele: Isiah era responsável por infiltrar, distribuir o jogo, desmontar a defesa, achar arremessadores livres, dar pontos fáceis pra jogadores incapazes de criar o próprio arremesso, pontuar quando o time estancava, e ser o responsável pelos pontos nos momentos decisivos dos jogos. Tudo rodava em torno de Isiah, sua capacidade de jogar basquete e sua compreensão do "Segredo", e de passar isso para os demais.
Eu sempre disse que a temporada 2007 do Steve Nash no Phoenix Suns foi uma das mais impressionantes da história do universo no quesito "nível de dificuldade" para um armador: O time era composto de forma a rodar totalmente em torno dele, da sua capacidade de conduzir um contra ataque e o pick and roll, da sua visão de jogos e seus arremessos... Basicamente, o time era construído de forma a utilizar o talento de Nash pra tirar o máximo de bons mas muitas vezes unidimensionais jogadores. Era construído de forma que um e apenas um armador na história da Liga poderia ter conduzido esse time aonde conduziu: Nash. O único rival de Nash nesse quesito? Isiah nesses times do Pistons de 87-90. Eles também eram construídos com jogadores unidimensionais em torno de um único armador e suas capacidades, e Isiah tinha que fazer tudo de uma forma extremamente difícil: Tinha que envolver todos os jogadores, saber quem acionar a cada momento, aproveitar quem estava com a mão quente, dar pontos fáceis para os que estavam frios, acionar cada jogador na melhor situação possível pra maximizar a eficiência dos arremessos, e saber quando insistir nos companheiros e saber quando ficar com a bola nas mãos pra resolver sozinho. O nível de dificuldade é absurdo.
O Pistons também se equipou de uma outra arma, uma arma mais suja e mais psicológica, que era a de perturbar o máximo possível o adversário como o time pudesse. Isso era feito explorando ao máximo o que era permitido pelo escopo de regras da NBA. O time do Pistons frequentemente abusava de faltas duras e violentas quando algum adversário chegava perto do aro, pra intimidar e fazer o oponente pensar duas vezes quando fosse pra uma bandeja ou enterrada (sem bandejas ou enterradas fáceis era a regra do Pistons, eles IAM fazer uma falta feia em voce). Como na época a NBA tinha uma política muito pouco rígida sobre brigas, xingamentos e faltas duras, os jogadores estavam sempre provocando, xingando, fazendo contatos desnecessários fora do lance, dando cotoveladas e basicamente tirando o adversário do sério. A idéia não era machucar o adversário (embora eles não ligassem de fazer isso e até fizessem quando tinham a chance, como Rick Mahorn pisando repetidamente no pé quebrado de McHale nos playoffs de 87), e sim tirar o seu foco do jogo, fazê-nos ficar com medo de tomar uma falta dura ao entrar no garrafão, fazê-los ficarem com raiva e saírem do seu jogo... Em resumo, o objetivo disso tudo era entrar na cabeça do adversário e desconcentrá-los. Quando o adversário parava de focar no jogo pra se preocupar em como bater em alguem ou como se vingar, então o Pistons tinha atingido seu objetivo. Eles acharam uma falha no sistema da NBA, e o exploraram de forma até suja, mas muito eficiente. Quando Pat Rilley levou isso a um nível ainda maior com seu Knicks nos anos 90, a NBA finalmente deu um basta nisso e estabeleceu regras muito mais rígidas pra faltas técnicas, brigas e aumentou as suspensōes que poderiam ser dadas aos jogadores, tirando essa "falha no sistema" da Liga (mais um motivo para odiar Pat Rilley). Mas mesmo assim, sem essa arma, o Pistons dessa época ainda era um time que daria certo em qualquer época. Eles eram o time perfeito pra era do Salary Cap (epenas uma estrela e varios role players, poucos contratos muito caros), e eles tinham uma característica especial de flexibilidade, atleticismo e toughness, sem falar numa imensa competitividade e instinto assassino especialmente do Isiah, que se transferiria para qualquer época.
E foi com essa identidade que o Pistons se lançou em 1987 para desafiar os soberanos Celtics: Um time extremamente flexível e profundo, que poderia se adaptar a qualquer time ou estilo e tinha resposta pra tudo, um time muito físico e com uma defesa muito feroz, um time que era melhor do que qualquer outro em entrar na cabeça do adversário e tirá-lo do seu jogo. Seu ataque era extremamente coletivo e centrado no seu astro, Isiah, e no seu famoso "Segredo". Ninguém no time tinha média de mais de 15 pontos por jogo, e era assim que o Pistons queria: Qualquer um poderia estar num dia bom e ser o cestinha, mas ninguém se preocupava em ser um. E com seu estilo de jogo, o Pistons logo se firmou como uma nova potência no Leste e varreu a conferência até o esperado confronto contra o baleado Celtics, nas Finais de Conferência. E o Pistons aproveitou a chance: Dividiu os quatro primeiros jogos contra o Celtics, e foi pra Boston no Jogo 5 pronto pra roubar um jogo e fechar em casa no Jogo 6. E quase conseguiu: O Pistons abriu 1 ponto de vantagem faltando 15 segundos pro final da partida. E aí que veio o castigo: O Celtics, sabendo que o ideal era virar a partida com o cronômetro zerado, deixou a bola com Bird pra criar seu arremesso. Bird entrou no garrafão e tentou uma bandeja, mas foi rejeitado pelo calouro Rodman, que ainda fez a bola bater em Danny Ainge antes de sair para a lateral. Com apenas alguns segundos no relógio e a posse da bola, parecia que o Pistons tinha o jogo liquidado... Mas Isiah teve uma pane cerebral e lançou a bola na direção da própria cesta para Lambeer, num passe que Bird antecipou a voou para conseguir o roubo, fazendo um passe sensacional para um Dennis Johnson que corria desesperadamente em direção à cesta fazer a bandeja da vitória pro Celtics. Enquanto o Pistons realmente venceu o jogo 6 em casa, o Celtics fechou a série em casa no Jogo 7 pra ir às Finais contra o Lakers. Abaixo, o vídeo da jogada.
(Fato mais underrated dessa jogada: A velocidade de reação de DJ ao cortar para a cesta quando Bird conseguiu o roubo, receber um passe lindo e fazer uma bandeja extremamente difícil por cima de Joe Dumars. Se ele não tivesse percebido a tempo e corrido pra cesta, Bird teria que fazer um arremesso turnaround por cima da tabela pra virar a partida... E o pior, ele provavelmente teria acertado. Mas foi melhor com DJ ali facilitando as coisas pra ele)
Essa derrota acabou sendo muito difícil pro Pistons digerir: Eles tinham o controle da série, tinham o controle da partida e a vantagem, e a bola nas mãos do seu melhor jogador, e estiveram a uma pane cerebral inexplicável de ir às Finais aquele ano. Mas a derrota acabou fortalecendo o Pistons, que teve sua revanche contra o Celtics no ano seguinte, com McHale e Bird machucados, em uma vitória fácil pra levar Detroit às Finais, contra o fortíssimo time do Lakers.
Nas Finais, Detroit conseguiu abrir 3-2 na série, e com um jogo 6 em Los Angeles, o Pistons começou a sentir cheiro de sangue no terceiro quarto: O Lakers não conseguia conter armadores infiltradores, e Isiah sabia que estava a mais dois quartos do seu primeiro título. Ele começou a pontuar. Uma bandeja. Um arremesso curto. Um floater. Quando todo mundo viu, Isiah tinha 14 pontos consecutivos no quarto... Até que, ao cair de um salto, Isiah pisou violentamente no pé de Michael Cooper e torceu fortemente o tornozelo. Carregado pra fora de campo visivelmente com dor, Isiah não conseguiu ficar fora de quadra. Sem conseguir apoiar o pé, Isiah voltou pra quadra e recomeçou a jogar. Um floater. Uma cesta-e-falta sobre Cooper. Uma bola de três. E, nos segundos finais do quarto, outra bola de três pra fechar o quarto com 25 pontos, recorde das Finais, mesmo jogando em um pé só. Mas o Pistons não conseguiu segurar, mesmo com tres pontos de vantagem a um minuto do final: Byron Scott fez uma cesta, Isiah errou um arremesso em uma perna só, os juizes deram uma falta fantasma em Kareem (que converteu os lances livres), e Dumars errou o arremesso da vitória no segundo final da partida. O Lakers venceu o Jogo 7 em casa com Isiah claramente sem condiçōes de jogo, e mais uma vez o Pistons chegou muito perto de um título pra morrer na praia de forma traumatizante. E realmente, o título devia ter sido do Pistons se Isiah não machuca o tornozelo: Eles eram físicos demais no garrafão pro Lakers, e ninguém lá conseguia marcar Isiah. Mesmo com Magic e James Worthy no auge, o time menos talentoso do Pistons era forte, flexível e entrosado demais pra aquele Lakers. Mas com a torção no tornozelo do centro do seu time, acabou sendo demais pro Pistons superar, e a segunda derrota traumatizante em dois anos pra Detroit se confirmou.
Começando 1989, duas coisas importantes aconteceram para Detroit: Primeiro, o time estava extremamente endurecido e irritado vindo de duas derrotas traumáticas nos playoffs, e pronto pra mostrar pro mundo quem eles eram, o que normalmente prenuncia uma temporada Keyser Soze de nível "Holy Hell!" (o que acabou acontecendo). E segundo, ao final dos playoffs de 1988, Dantley começou a reclamar dos seus minutos, em especial por estar ficando no banco nos finais de partida pra dar lugar a Rodman. E aí que a essência do próprio time do Pistons ficou em xeque: O Pistons não era o time mais talentoso da NBA, mas chegou aonde chegou graças à coletividade dos seus jogadores, colocando o time sempre em primeiro lugar em relação aos números pessoais. Chegou aonde estava graças ao equilíbrio e coletividade do seu time. E Dantley, um dos jogadores chaves do time, estava ameaçando implodir tudo isso porque não queria perder minutos para Rodman, o que era importante para o time já que Rodman deixava o Pistons melhor defensivamente e mais atlético. Com essa ameaça, McCluskey e Isiah decidiram que o melhor a fazer era se livrarem de Dantley, mandando ele para o Mavericks em troca de Mark Aguirre (1st pick do Draft de 1982, cuja 2nd pick foi - wait for it... - Isiah Thomas!), um ala com um eficiente jogo de costas pra cesta, mas inferior a Dantley. A troca aconteceu... E empurrou o Pistons a um nível ainda superior. Por quê? Porque a troca não tinha nada a ver com basquete! E essa era exatamente a fundação desse time do Pistons: Não é sobre basquete. Dantley ameaçou o entrosamento e mentalidade altruísta do Pistons, e foi trocado por Aguirre, um jogador inferior mas que aceitou seu lugar no time, continuou fazendo sua parte e nunca reclamou de minutos. A troca tirou poder de fogo do Pistons, mas deu a ela mais flexibilidade, defesa e rebotes (pelo aumento de minutos de Rodman) e, principalmente, melhorou o entrosamento e o ambiente do Pistons. Times não ficam grandes pelo que fazem uma fez, e sim pelo que continuam fazendo uma vez que tem sucesso ou uma grande queda. Dantley ameaçou esse equilíbrio, e o Pistons se livrou dele. Não foi uma troca de basquete, foi uma troca pessoal, mas que resultou no Pistons elevando seu nível e liberando uma temporada Keyser Soze em 1988, que terminou com uma varrida do Lakers nas Finais sem a menor dificuldade (Lakers esse que não tinha perdido nenhum jogo até as Finais). E tudo porque Detroit "piorou" no papel com Aguirre no lugar de Dantley.
Essa normalmente é a parte que eu dou alguns números pra mostrar como a temporada de 1989 do Pistons foi sensacional, como eles massacraram todo mundo e jogara com aquela atitude "Eff-You" que caracteriza os grandes times como Celtics de 86 e o Bulls de 96. Mas eu não vou fazer isso. Assim como não é possível captar o quão bom esse time era apenas no papel, é impossível capturar apenas em estatísticas e números o poder do Pistons dessa temporada. Esse Pistons foi construído em cima de uma coisa que transcende qualquer estatística, o "Segredo", e temos que ir muito além pra podermos compreender o poder disso nesse time. Saiba apenas que, se pudessemos organizar um mega torneio eliminatório com todos os times a serem campeōes da NBA, recriando não apenas seu jogo como sua atitude, o Pistons de 1989 provavelmente seria minha escolha depois de Celtics 86, Lakers 87 e Bulls 96. E isso é um tremendo de um elogio. Nenhum outro time misturava atleticismo, defesa, intensidade, competitividade e toughness que nem esse time de Detroit. E poucos times entendiam e praticavam tão bem o "Segredo".
O Pistons ainda teve mais um ano de sucesso em 1990, quando venceu o Blazers nas Finais, antes de sumir em 1991, quando Michael Jordan enfiou uma estaca no coração do Pistons com a famosa varrida que terminou com os jogadores de Detroit saindo de quadra antes do final da partida. No fundo, era assim que a NBA queria que eles fossem embora: Silenciosamente, talvez sem deixar saudades. Eles deram golpes baixos demais pra serem bem recebidos, e talvez por isso pouca gente lembre deles com respeito pelo grande time que eram, mas com ressentimento. Talvez com razão. Mas eles foram um dos grandes times da história da NBA, um dos que melhor praticou o "Segredo", e o time que fez a ponte entre o fim da era Magic/Bird e o começo da era Jordan. Foram um time tão competitivo e tough que Celtics e Lakers nunca mais foram os mesmos depois de gastar tanta energia pra segurá-los. Você pode não gostar ou até odiar os Bad Boy Pistons - e acredite, eu talvez odeie como torcedor do Celtics- mas tem que respeitar o que eles conseguiram. E se tem uma coisa que eu acredito sobre basquete, é que o esporte transcende em muito o que podemos medir e o que acontece "no papel", que tem muito mais por trás disso tudo, e que o mais importante é como você afeta seus companheiros. E o Pistons se construiu em cima disso.
E enquanto o Pistons fazia sua história com os títulos de 89 e 90, o Lakers passava por um período possivelmente conturbado após a derrota em 1989 com a aposentadoria do seis vezes campeão, seis vezes MVP e três vezes MVP das Finais, Kareem Abdul-Jabaar. Apesar da idade (42 anos), Kareem ainda era importante pro Lakers a ponto do time ter chamado para ele a jogada decisiva das Finais de 1988 no Jogo 6 (quando ele sofreu uma falta inexistente do Laimbeer e acertou os FTs). Quando Kareem aposentou, o time perdeu seu líder veterano e pontuador de garrafão, e muita gente apostou que seria a derrocada do Lakers. Mas Magic assumiu de vez a liderança emocional da equipe, se reinventou como um bom chutador de três pontos, e manteve o time vivo após a saída de Kareem com Vlade Divac e Mychael Thompson no garrafão e Worthy assumindo um papel maior ofensivamente na equipe. A adição de Divac tornou o Lakers o time um pouco mais ágil e que rodava melhor a bola a partir do garrafão, enquanto os minutos de Thompson e AC Green no lugar de Kareem tornaram o time mais flexível e forte fisicamente no garrafão, numa tentativa de compensar a grande perda de poder de fogo e um pontuador nato no garrafão. Depois de perder pra um muito bom time do Suns em 1990, o Lakers deu a volta por cima e chegou forte em 91, se classificando em terceiro no Oeste. Ainda que não fosse mais a potência que era com Kareem, o Lakers conseguiu se reinventar nas costas de Magic o suficiente pra continuar relevante. Nos playoffs, o Lakers varreu um bom time de Houston e ganhou com propriedade de bons times do Warriors e do Blazers antes de chegarem nas Finais como favoritos pra ganhar do Bulls de Jordan e Scottie Pippen. Depois de uma vitória no Jogo 1, com Magic voando, Pippen pediu pessoalmente a Phil Jackson pra marcar o armador do Lakers... E o resto foi história. Pippen marcou Magic com perfeição, o Bulls arremessou 61% de quadra no Jogo 2, Jordan fez isso aqui e Chicago tomou de vez o controle da série, ganhando com tranquilidade os jogos restantes até o título (Apesar das 20 assistências de Magic no Jogo 5, o famoso jogo do "Jordan, who's open??" que vai ganhar o devido crédito quando falarmos de Jordan).
No fundo, Magic nunca ganhou o devido crédito por essas duas temporadas por um problema de percepção. O fato do Lakers não ter chegado às Finais em 90 e ter sumido em 92 acabou passando a impressão de que era um time fraco tentando desesperadamente se manter vivo antes do fim... E talvez fosse de certa forma, mas na verdade também era a história de um time se reinventando depois de perder um dos seus pilares em Kareem. E Magic nunca recebeu crédito por conseguir realizar esse feito com sucesso no comando do time e recolocar o Lakers no topo do Oeste, e possivelmente teria mantido o Lakers ainda mais alguns anos entre o topo do Oeste caso o HIV não o tivesse tirado de vez das quadras (Nenhuma chance desse Lakers envelhecido ganhar do Suns em 1993, mas tinha uma boa chance de ganhar do Blazers de 92 e chegar a mais uma final). Mas foi um feito e tanto, e por isso eu entendo a escolha do ano de 1991 pro Magic: Por mais que eu ainda preferia Magic em 87 e um post apenas de Magic/Bird, o ano de 1991 personificou a longevidade e a capacidade de Magic de manter um time decadente do Lakers relevante e no topo da Liga, depois de aguentar anos de "Ele não consegue fazer sem Kareem!". Mesmo curto e muitas vezes desprezado, esse período da carreira de Magic sem Kareem cimentou seu legado na Liga como líder de uma equipe. O que poderia ter acontecido depois de 1991, só podemos imaginar pois o HIV o tirou das quadras, mas provavelmente teria mantido o Lakers mais alguns anos em boa forma, e se reinventado (pra bem ou pra mal - possivelmente mal) como um Power Foward no final da carreira.
Por outro lado, por mais que o Lakers pudesse se manter mais alguns anos no topo da Liga com mais alguns anos de Magic, tem algo poético com Magic se aposentando no momento que Jordan assumiu de vez seu lugar no topo da Liga. Como o próprio Magic disse sobre as Finais: "Chega um momento em que o jogador que estava no topo da Liga tem que passar a tocha para o próximo que está chegando. Eu nunca passei a tocha pro Jordan. Ele veio e arrancou ela das minhas mãos nas Finais!". Então por mais que eu nunca desejasse Magic aposentando por algo sério como HIV, talvez tenha sido melhor que ele parasse quando estava por cima, no momento que aparecia alguem ainda superior pra lhe tomar a coroa.
Dois últimos comentários um pouco relacionados a Magic: Primeiro, a disputa pelo MVP da temporada 1987 deve ter sido de longe a melhor da história. Não sei porque eu gosto tanto de MVPs na NBA, mas esse é especialmente saboroso: Tivemos Magic ganhando seu primeiro MVP ao se reinventar como um pontuador mortal e tomando o controle do Lakers de Kareem, com médias de 24-12-6. Em segundo lugar, ficou Jordan, com sua temporada gritando "Cheguei!" e sendo o cestinha da Liga com 37 pontos por jogo. E em terceiro porque todo mundo tava cansado de votar nele (tinha sido MVP três vezes seguidas antes dessa temporada), Bird com sua melhor temporada, 28-9-8 (!!!) e chutando 53-40-90. Olhe de novo essas três temporadas e lembre que o cara que quase teve um Triple Double de média ficou em terceiro e que esse foi o melhor ano estatístico de Bird e Magic... Bom, isso que eu chamo de uma corrida pra MVP, certo??
Pra terminar, eu sempre acho engraçado como a história da NBA seria muito diferente se não fosse por um golpe de sorte e uma tremenda burrice de um GM. Claro, sempre podemos argumentar "Ei, se o Blazers pega o Jordan na 2nd pick do Draft ao invés do Sam Bowie, também seria diferente"... E claro, é verdade, mas a história de Magic e Bird indo parar nos seus respectivos times, pra mim, foi a mais engraçada desse ponto de vista porque foram causadas por coisas decisōes que pouco (na verdade nada) tinham a ver com eles. Pois bem, voltemos para 1975. A NBA realizou um Draft de dispersão para alguns jogadores que estavam saindo da ABA e não tinham sido draftados anteriormente por times da NBA, e entre os jogadores draftados, o New Orleans Jazz usou sua escolha em um pivô chamado Moses Malone (sim, AQUELE Moses que foi três vezes MVP e chutou o traseiro do Kareem a vida toda). No entanto, Malone machucou o pé e pouco jogou em 76, e em 77 o Jazz se apaixonou pelo SG que iria virar Free Agent do Lakers, Gail Goodrich. Como naquela época os times tinham que pagar "compensação" ao assinarem um Free Agent, o Jazz decidiu trocar Moses por uma escolha de primeira rodada, juntar com duas escolhas de primeiras rodadas próprias de outros anos (79 e 80), e mandar por compensação pelo Goodrich (Porque, sabe, aparentemente é uma boa ideia trocar duas 1st rounders e um pivô jovem e talentoso por um SG de 33 anos que não defendia ninguém. Btw, vocês não vão acreditar nisso, mas Goodrich rompeu o tendão depois de apenas 27 jogos na temporada e se aposentou. So there!). Uma dessas picks que o Jazz trocou era a de 1980... E claro que o Jazz teve a pior campanha em 1979 e essa escolha nas mãos do Lakers acabou virando a primeira de todo o Draft. Isso aí... Magic Johnson!! De uma tacada, o Jazz perdeu Moses E uma chance de pegar Magic... E o Lakers nunca teria acabado com Magic se não fosse a estupidez do GM do Jazz que decidiu pagar tudo aquilo por Goodrich. O Lakers simplesmente aceitou o presente. Me diga a última vez que uma única troca estúpida mudou tanto o destino de três ou quatro times e diversos títulos.
Com Bird, foi ainda mais esquisito (embora não tão inexplicável como essa troca por Goodrich). De alguma forma, Red Auerbach teve uma pequena pane cerebral antes da temporada de 76 e achou que era uma boa ideia trocar Paul Westphal e Paul Silas por Charlie Scott, Sidney Wicks e Curtis Rowe. Não só Westphal deu vida nova ao Suns (que chegou nas Finais aquele ano) e Silas era um dos favoritos da torcida, os recém-chegados não adicionaram em nada, jogaram mal e irritaram toda a torcida por não se importarem e não darem tudo de si, o que acabou matando o entrosamento do time em 77/78. Em 1978, quando a temporada do time ia pro saco graças a essa falta de ambiente na equipe, Red percebeu a besteira que tinha feito e se livrou dos três. Em particular, Scott foi trocado para o Lakers por Kermit Washington e uma escolha de primeira rodada. No Draft seguinte, a escolha do Celtics foi a número 6, e a recebida do Lakers (via New Orleans ainda na troca do Goodrich) foi a número 8. O Celtics acabou usando sua 6th pick num Junior de Indiana State que só viria pra NBA na temporada de 80 (passando mais um ano no College) chamado Larry Bird, e a 8th pick num ala pontuador chamado Freeman Williams pra substituir John Havlicek. Bom, até ai tudo bem, certo? Acontece que o próprio Red admitiu que o Celtics precisava urgentemente de um ala pontuador e que só pegou Bird pra esperar um ano porque sabiam que tinham outra escolha pra suprir a necessidade mais urgente (o ala pontuador), e portanto podiam se dar ao luxo do tempo com Bird. Em outras palavras, se o Celtics não tivesse a 8th pick vinda da troca de Scott, eles teriam pego Williams com a 6th Pick e não Bird. Ou seja, se Red Auerbach não tivesse cometido o erro de trocar Silas e Westphal, o Celtics provavelmente teria tido uma boa chance de ganhar as temporadas 77 e 78 da NBA (especialmente 78, acho que ninguém tirava do Blazers em 77), mas ao mesmo tempo não teria pego Bird em 79 e nunca teria tido a década de 80 que teve. E depois não entendem porque Red foi o GM de mais sucesso da história: até quando ele errava, dava certo.
A parte mais engraçada? Se o Celtics não tivesse trocado Westphal, provavelmente teria pego Williams na 6th pick e perdido Bird, mas... Aonde Bird iria parar? A 7th pick era do Blazers, que dificilmente teria pego um jogador para esperar um ano dadas as lesōes de Bill Walton e a necessidade de ajuda imediata para um time que queria brigar pelo título pelas ultimas vezes, e a 8th pick teria sido de... Wait for it... Los Angeles Lakers, via Jazz! Como o Lakers tava passando por um período de reconstrução (por isso a troca de Washington), era bem capaz de LA ter acabado apostando em Bird, esperado um ano, e juntado com sua futura 1st rounder do Jazz em 1980 (o próprio GM Jerry West admitiu que queria pegar Bird se tivesse a chance em 1979). Em outras palavras, se Red não troca Westphal por Scott, o Lakers provavelmente iria pegar Bird em 79 e acabar com Bird, Magic E Kareem no mesmo time pelos próximos nove ou dez anos. Holy smokes!! Entendem agora o que eu quis dizer com "pequenas decisōes que nada tinham a ver com Bird e Magic mudando a história da NBA"? Quantos títulos esse time teria ganho pro Lakers? Sete? Oito? Gosto do jeito como as coisas acabaram, muito obrigado!
Como sempre, brilhante.
ResponderExcluirEspecialmente o final, que me lembra do que eu mesmo já escrevi sobre o assunto, a quem se interessar (e me perdoe o jabá no seu blog, Vitor), segue o link do último:
http://jumperbrasil.com/2012/09/25/eles-nao-tinham-bolas-de-cristal-parte-6/
O único problema do seu jabá é que eu nunca consigo entrar no Jumper, sempre fala que a página não pode ser exibida!! Hahaha... Fora isso nenhum problema, quanto mais informação, melhor pra todos! Se for de qualidade, como é o caso, é sempre bem vindo!
ExcluirAgradeço os elogios e um abraço!
Fantástico, simplesmente fantástico. O que o Vitor está fazendo através do TMW é algo sem precedentes na mídia brasileira. Tanto os especiais da NFL quanto os da NBA estão de uma qualidade espetacular.
ResponderExcluirE o fato de ele escancarar que é torcedor do Celtics (e do 49ers) só faz melhorar o tempero dos posts.
Cara, isso aqui foi uma aula, de novo. Eu sempre me perguntei como é que Celtics e Lakers, times de playoff e contenders, tiveram as picks que se tornaram Magic e Bird. Sou fã desesperado de times fenomenais montados em Draft (ou com trocas na noite do Draft, que é quase a mesma coisa), e ao mesmo tempo não curto times montados via F.A. Talvez seja por isso que não curto muito o Heat e o Lakers atuais, apesar de admirar o talento desses times. E é por isso que sou San Antonio Spurs, o rei do Draft da era pós-Jordan.
Sou admirador do Pistons dos Bad Boys também, apesar de sempre torcer contra eles, mas reconheço que eram um time lindo de se ver, nem tanto pela plástica dos jogadores (exceto por Thomas), mas pelo empenho e aplicação dos caras. Admiro o "jogar feio", mas jogar coletivo e para a vitória, não pelo individual - já disse que sou Spurs?
Ótimo texto de novo.
ResponderExcluirMas achei mais emocionante o anterior do Bird, até por pegar mais a rivalidade entre ele e o Magic.
Dessas temporadas difíceis pra um armador ficou faltando minhas duas favoritas. O Nets duas vezes vice do Jason Kidd. Aquele era um time difícil que o Kidd fez ganhar bons salários.
ResponderExcluirExcelente post. Muito obrigado.
ResponderExcluirSinceramente eu tenho inveja de você!!!! uhUHUAHUHUAHUAHHAUHA
ResponderExcluirMuito bom cara, todas essas informações compiladas aqui acredito que deve ter te dado muito trabalho e por isso PARABÉNS!!!!!!!!!!!!
Cadê o restante da série??????
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