Some people think football is a matter of life and death. I assure you, it's much more serious than that.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Os gigantes da baía

Nenhuma foto retrata melhor a temporada do San Francisco Giants como essa (Jogo 7, NLDS)


Reproduzo abaixo uma parte do texto que eu publiquei na coluna do dia 02/11/2010, um dia depois do San Francisco Giants vencer sua primeira World Series em 56 anos.



Noite de 26 de dezembro de 2009, um Toyota alugado atravessa a Bay Bridge pra entrar em San Francisco. Dentro do carro, dois torcedores do San Francisco 49ers fanáticos chegavam com a familia à cidade onde, dia seguinte, realizariam o sonho de ver seu time jogar ao vivo. Passando perto da baía pra ver melhor a cidade no escuro, uma construção aberta que emitia forte iluminação chamou a atenção do carro. Era um estádio onde se podia ler num letreiro luminoso "AT&T Park". Chegando ao hotel e acessando o Wi-Fi de la, descobriram que era o estádio era do San Francisco Giants, um time fraco da MLB que ha anos nao obtinha sucesso.

No dia seguinte, indo pro Candlestick Park pra ver Niners vs Lions, os dois passaram em frente a uma interessante e bonita construção de tijolos, com duas estátuas (Que depois descobriram ser cinco no total) na frente, estilo antigo. O motorista do carro informou que era o AT&T Park, e avisou que o time era um fracasso desde que se mudou de New York e que nao ganhava um titulo desde 1954. Um deles, o mais velho, virou para o outro e brincou falando que agora que tinhamos passado por ali, seria a hora do Giants se reerguer e ser campeão, e que quando começasse a temporada da MLB os dois iriam acompanhar aquele time. San Francisco é a cidade americada favorita dos dois, os dois sao fanáticos por outro time da cidade (49ers) e o estádio era extremamente simpatico, e os dois prometeram que acompanhariam a temporada do Giants.

Um desses torcedores era meu pai. O outro, eu. Naquele dia, de volta do jogo (Niners venceram 20 a 6), fiz questão de passar pelo AT&T Park denovo. Vi a parte que estava aberta, a estátua do Willie Mays, a homenagem ao Jackie Robinson, e comprei um boné do time. Aprendi mais sobre a franquia e decidi que, se os Red Sox nao fossem ser campeões, eu iria torcer pro Giants. Eu prometi que em caso de titulo do Giants eu iria contar um pouco da minha historia com o time, e ai está ela. Pode parecer idiota, gostar do time só porque simpatizei com o estádio, mas nao é só isso. Ja estive em estadios ou ginásios de cinco esportes diferentes em sete países e nao achei nenhum que eu gostasse tanto quanto esse alem do Morumbi. San Francisco sempre foi minha cidade favorita dos EUA e eu senti muito bem, na viagem, o clima que a cidade tinha com o baseball, e caso algum dia voces forem pra la e sentirem o baseball na alma da cidade, é dificil nao se apaixonar. E agora estou aqui, vendo MNF e escrevendo sobre o título do Giants que meu pai falou ha dez meses de brincadeira enquanto passavamos na frente do estádio que hoje estará lotado pra receber os campeões.


Yeah, a história é velha, e pode parecer engraçado, mas foi daí que meu pai começou a torcer pro Giants, e dai que eu comecei a acompanhar a franquia mais de perto que qualquer outra, tirando claro meu Red Sox. E bem, foi emocionante ver o time ganhar um título, ficar fora dos playoffs, e dar a volta por cima e ganhar um segundo título com um time totalmente diferente do primeiro. Não sei exatamente porque aquela passada pelo AT&T Park me marcou tanto, mas eu não ligo. Porque esportes não precisam seguir uma lógica ou serem racionais, certo? 

----------------------------------------------------------------------


Veja de novo a foto que começa o post, Marco Scutaro aproveitando a chuva que caiu nas ultimas duas entradas do Jogo 7 da NLDS, com o Giants terminando sua impressionante recuperação sobre o Cardinals, liderando por 8 a 0 um jogo já ganho, virando uma série que parecia perdida em 1-3... Só para ganhar três jogos seguidos e fechar a série em casa. Essa talvez seja minha foto favorita em tantos anos de baseball, porque ela reflete tudo que tem pra se dizer e se saber sobre o espetacular título do San Francisco Giants. Não é a toa que essa foto lembra tanto a famosa cena da chuva do Andy Dufresne em Shawnshank Redemption, porque de certa forma as duas tratam da mesma coisa: A vitória do Giants foi sobre redenção, foi sobre dar a volta por cima, sobre acreditar em si mesmo, acreditar que um milagre ia acontecer... E saber que, no fundo, esse milagre só acontece porque voce fez ele acontecer. 

Acreditem, eu acompanho esportes de modo geral desde que eu tinha dois anos. E em todo esse tempo, muitos jogos, muitas séries, muitos sucessos e muitas decepçōes, eu aprendi muitas coisas sobre os esportes em geral. E uma delas, uma das mais importantes coisas que eu aprendi sobre esportes, é a seguinte: Milagres não simplesmente acontecem. Eles dependem de uma sequência de pequenos milagres ao longo do caminho, cada pequeno evento tem que fazer sua parte.

Quando em 2004 o Red Sox se tornou o primeiro time da história da MLB a virar uma desvantagem de 3-0 numa série melhor de sete pra cima dos seus grandes rivais Yankees, apagando 86 anos de fracassos e decepçōes, muita gente falou que tinha sido um milagre, e talvez tivesse sido... Mas o Sox não ganhou quatro jogos de uma vez em uma partida só, ou com um golpe de sorte. Foram precisos quatro jogos cheio de pequenos milagres: Dave Roberts roubando a segunda base na nona entrada do Jogo 4, com dois eliminados, por uma fração de segundos; o Home Run de David Ortiz na prorrogação; Mariano Rivera, o maior closer da história, perdendo dois saves em jogos consecutivos; as três passed balls na prorrogação do Jogo 5 do Jason Varitek de alguma forma não rendendo nenhuma corrida; Joe Torre decidindo que era melhor arremessar pra um Ortiz pegando fogo com dois em base na parte de baixo da 14th entrada, com dois eliminados, ao invés de dar o walk intencional; Curt Schilling arremessando sete excelentes entradas no Jogo 6 com o tendão rompido; a chuva no Jogo 4 que permitiu ao Schilling jogar o Jogo 6; os juizes eliminando A-Fraud (foi mal, nao resisti) por interferência depois de inicialmente dá-lo como salvo quando ele claramente acertou o braço do jogador do Sox; o double de  Belhorn virando (corretamente) um HR depois da discussão dos juizes; e Johnny Damon rebatendo dois HRs (inclusive um Grand Slam) no Jogo 7 depois de não acertar nada a série inteira. Então não aconteceu um milagre e o Red Sox simplesmente virou a série: Foram acontecendo vários pequenos milagres ao longo de quatro jogos que levaram o Red Sox a conseguir a virada, e eles só aconteceram porque o time se recusou a desistir, continuou acreditando e se colocou em posição pra fazer esses milagres acontecerem. E eles recompensaram o esforço do time que simplesmente queria mais a vitória.

Com o Giants foi a mesma coisa. Sim, eles se tornaram o primeiro time da história da NL a reverter uma vantagem de 2-0 numa melhor de cinco, e o primeiro time de toda a história da MLB a reverter essa vantagem fora de casa. Eles se tornaram apenas o segundo time da história (junto com o Royals de 1985) a ganhar seis jogos eliminatórios seguidos, voltando pra ganhar do Cardinals depois de estar perdendo de 3-1. Mas nada disso veio fácil e nada disso aconteceu... bem, do nada. Esse final histórico simplesmente foi a parte final de uma história que começou logo na primeira semana da temporada regular.

Voltando um pouco pro começo da temporada regular, vale lembrar que o time do Giants em muito pouco lembrava esse. O time tinha Aubrey Huff na primeira base no lugar de Brandon Belt, Freddy Sanchez na segunda base, Hector Sanchez de Catcher no lugar do voltando-de-lesão Buster Posey, Pat Burrell e Nate Schierholtz disputando um lugar no OF, e Melky Cabrera (recém-chegado em uma ótima troca pelo fraco Jonathan Sanchez) no LF no lugar de Gregor Blanco. Tim Lincecum ainda era o principal pitcher do time, e Brian Wilson o closer. E francamente, vindo de uma campanha decepcionante em 2011 depois de perder seu melhor jogador em Buster Posey, ainda era um time sem identidade que buscava se reencontrar.

O primeiro golpe veio logo na primeira semana, quando o excelente closer Brian Wilson machucou o cotovelo e teve que fazer cirurgia, tirando Wilson da temporada. O Giants promoveu Santiago Casilla pro papel de closer, mas ele jogou muito mal nessa função antes de acabar voltando a ser um reliever normal. Além disso, desde o primeiro dia, ficou claro que o físico de Tim Lincecum finalmente estava dando mostras de desacelerar, e o duas vezes Cy Young teve um começo de temporada péssimo, ficando acima dos 6.00 de ERA. E com um lineup muito confuso, cheio de velhos pouco produtivos, o Giants logo ficou pra trás na divisão atrás de um quente time do Dodgers

Aos poucos, as coisas começaram a entrar em foco. O trio de arremessadores de Ryan Vogelsong, Madison Bumgarner e Matt Cain começou muito bem o ano, e o ataque encontrou nova vida nas costas de Melky Cabrera, que melhorou ainda mais sua forte campanha de 2011 pra rebater 37,5% nos primeiros meses de temporada, e de Pablo Sandoval. Com o tempo, o time reforçou sua defesa com a entrada do excelente Brandon Crawford de Shortstop e Brandon Belt na primeira base, muito mais produtivo do que o velho Huff. Ainda que o time não tivesse encontrado sua identidade (especialmente depois que o Panda machucou e com Posey ainda devagar por causa da lesão), o time conseguiu o suficiente nas costas do seu trio de arremessadores (apesar do péssimo desempenho de Lincecum e Barry Zito) e de Melky pra se manter na caça ao Dodgers pela divisão.

Passado o All-Star Game (onde Cain foi o vencedor, Melky o MVP e Sandoval rebateu um 3-run triple), o Giants recebeu um novo golpe: Melky Cabrera, mais forte candidato a MVP da Liga e lider em aproveitamento com 34,5%, foi pego no antidoping pelo uso de testosterona sintética e foi suspenso por 50 jogos, tirando do Giants o seu melhor jogador ofensivo. Já sem Wilson, e com Lincecum em péssima temporada, parecia que seria o fim do Giants. Pra piorar, o Dodgers, que estava brigando pau a pau com o Giants pelo tiítulo da NL West, decidiu que estava disposto a gastar na Trade Deadline e trouxe CINCO ex-All Stars em contratos milionarios: Hanley Ramirez, Shane Victorino, Josh Beckett, Adrian Gonzales e Carl Crawford. Parecia que ia ser a hora do Dodgers disparar e do Giants implodir com tantos jogadores chave caindo fora.

O Giants fez apenas dois movimentos pouco divulgados na trade deadline: Trouxe Marco Scutaro do Rockies pra jogar no lugar de Ryan Theriot na 2B, e trouxe Hunter Pence do Phillies pela necessidade de um rebatedor destro de força no meio do lineup (Posey ainda estava num ritmo baixo). Fora isso, o Giants não quis repetir o erro do ano passado (quando trocou o bom prospect Zach Wheeler por Carlos Beltran, que deu o fora no final da temporada) de trocar muitos ativos pro futuro, e ficou por isso mesmo, contando numa evolução dos seus rebatedores, que Zito e Vogelsong voltassem à boa forma.

E foi ai que, improvavelmente, tudo começou a se encaixar pro Giants. Com a saída de Melky, o time parou de gravitar em torno dele e cada jogador assumiu um papel maior na equipe, que aproveitou para se focar mais em torno da sua excelente defesa. Sem o melhor jogador ofensivo do time, Posey acordou e assumiu o papel de responsabilidade no ataque do time, rebatendo 41% (!!!!) depois do All-Star Game até o final da temporada, terminando como o melhor jogador ofensivo E o melhor jogador da NL, jogando praticamente apenas metade da temporada ou menos a força total. Além disso, no lugar de Cabrera no LF entrou Gregor Blanco, que estava jogando na Venezuela a essa altura do ano passado em busca de um contrato. Blanco, que tava rebatendo .224 na temporada, rebateu .286 até o final da temporada e foi o melhor LF defensivo da MLB nesse período final da temporada. Marco Scutaro, rebatendo .262 no Rockies, rebateu .364 (!!!!) ate o final da temporada com o Giants e foi um dos melhores jogadores da equipe rebatendo em segundo. Mesmo nos arremessadores, Vogelson e Zito de repente encaixaram, com Vogelsong colocando um ERA de 2.10 nos seus últimos jogos na temporada regular, e com o Giants ganhando os ultimos seis jogos que Zito começou. No Bullpen, Sergio Romo levou seu slider a um novo nível e assumiu com tranquilidade o papel de closer da equipe, com um ERA de 1.79 na temporada inteira. Isso liberou Bruce Bochy pra usar Jeremy Afeldt e Casilla de acordo com os matchups em cada jogo, sem se preocupar com a nona entrada. Com o Dodgers ainda mostrando grande inconsistência, o Giants ligou o turbo, Posey jogou como MVP, a defesa do time se tornou a segunda melhor da Liga (depois do Braves) nesse final de temporada, os arremessadores elevaram seu jogo, e o Giants ganhou facilmente a divisão antes de enfrentar o Reds nos playoffs.

Claro, estava apenas começando. Depois de perder seu Closer e o melhor jogador dos primeiros 110 jogos do time, o Giants chegou nos playoffs com um grupo unido e momento, mas esbarrou talvez no melhor time da MLB, Cincinatti Reds. Nos dois jogos iniciais em San Francisco, o time teve problemas e perdeu os dois jogos. Assim, foi pra Cincinatti jogar os ultimos três possiveis jogos da série jogando também contra a história: Nenhum time da história da NL conseguiu reverter uma desvantagem de 2-0 numa melhor de cinco, e os três unicos times da AL a consegui-lo o fizeram com os tres jogos finais em casa. E pra piorar, o Reds não tinha perdido três jogos seguidos em casa em toda a temporada.

Mas o Giants não estava disposto a voltar mais cedo. Pence, um dos jogadores mais intensos da MLB, se não fez estrago com o bastão logo foi aceito como um lider vocal no vestiário, alguem que todos ouviam e respeitavam, se levantou antes do jogo 3 e fez um discurso inflamado antes da partida, que contagiou a equipe. Horas mais tarde, Vogelsong arremessou um grande jogo, o Bullpen do Giants segurou o resto, e conseguiram levar o jogo pra entradas extras. Lá, o Giants anotou sua segunda e decisiva corrida do jogo graças a um erro do bom e velho Scott Rolen, que permitiu ao Buster Posey anotar corrida com dois eliminados antes de Romo fechar o jogo. No Jogo 4, Bochy optou por Barry Zito sobre Lincecum, mas Zito durou menos de três entradas... E claro que Lincecum entrou como middle reliever, cedeu uma corrida em 4.1 entradas, e viu o Giants rebater três HRs pra ganhar a partida. E no Jogo 5, com um Matt Cain pouco eficiente (3 ER em 5.2 IP), Buster Posey se recuperou de uma série fraca com um Grand Slam pra dar a vitória ao Giants. Fazendo história pela primeira vez, o Giants avançou pra enfrentar os atuais campeōes Cardinals.

Mas a série começou mal pro Giants. Madison Bumgarner continuou sua sequência de jogos ruins com uma péssima partida que permitiu ao Cardinals anotar seis corridas em menos de quatro entradas. Bumgarner acabou saindo da rotação titular pra Lincecum jogar o jogo 4 e Zito jogar o jogo 5, mas com Lincecum ainda incapaz de produzir começando de titular, o Giants logo se viu num buraco de 3-1.

E ai veio o turning point da pós-temporada do Giants. Eles tiveram as costas contra a parede no Jogo 3 contra o Reds, mas pelo menos eles tinham seu titular mais consistente nos ultimos jogos (Vogelsong) indo pro montinho. Contra o Cardinals? Era Barry Zito, o veterano que assinou um contrato de 120M em 2004, mas nunca jogou nem perto disso pelo Giants. Barry Zito, que não tinha durado três entradas na sua ultima partida de pós-temporada (Jogo 4 da NLDS). Barry Zito, o veterano de 34 anos cuja bola rápida não passa de 88 MPH. Ou seja, se o Giants pudesse escolher um titular pra NÃO jogar nesse jogo, seria o Zito. E aí Zito entrou com sua calma e pose de sempre, e jogou possivelmente o jogo de sua vida, o que não é pouco pra um ex-Cy Young: 7.2 IP, nenhuma corrida cedida, e manteve o controle do jogo durante o tempo todo até entregar o jogo e a vantagem pro Bullpen. Foi talvez a atuação mais improvável desses Playoffs, Zito voltando a sua forma de 10 anos atrás pra arremessar um brilhante jogo de pós-temporada, fora de casa, em um jogo de eliminação. Foi realmente inspirador ver um jogador muito amado no vestiário, mas muito criticado pela torcida e pela mídia em virtude do seu contrato, aparecendo quando sue time mais precisou e entregando uma vitória na bandeja pra continuar vivo na série. Com Scutaro rebatendo tudo que passava perto dele (.500 na série), um erro crucial do pitcher Lance Lynn num arremesso pra segunda base, e até mesmo Zito conseguindo uma rebatida e um RBI, o Giants se inspirou na performance do seu pitcher, e não olhou mais pra trás.

Ainda tinha mais dois jogos pro Giants ganhar, e o Giants ainda precisava contar com toda ajuda que pudesse. Mas atrás de mais um excelente jogo de Ryan Vogelson, que até rebateu um RBI além de seus 9 Ks, e de Marco Scutaro, que continuou fazendo sua melhor interpretação de Roy Hobbs, o Giants levou a série pro jogo 7 decisivo. E aí que o destino, a sorte, um milagre ou como quiser chamar apareceu de novo: Com bases lotadas e nenhum eliminado, Hunter Pence - que inspirou o time na NLDS antes do jogo 3, mas que tava com muitos problemas no bastão - foi para uma rebatida contra Kyle Lohse: A rebatida foi tão forte que quebrou o bastão, mas isso fez a bola bater três vezes no bastão quebrado antes de ser colocada em jogo, pegando um efeito ridiculo que enganou o Shortstop Pete Kozma e transformou o que devia ser uma queimada dupla num double que limpou as bases. Não, é sério, veja o vídeo. Foi o equivalente a colocar uma faca nas costas do Cardinals, o golpe que acabou de vez com o time. E o Giants não pode fazer nada senão continuar aproveitando o momento: Matt Cain arremessou um grande jogo e ainda adicionou outro RBI - o terceiro jogo consecutivo que um pitcher do Giants conseguiu um RBI single - e o Giants logo abriu 8-0. Foi quando começou a chover, e os juizes optaram por continuar o jogo (senão teriam que adiar as entradas que faltavam para outro dia, e francamente, o jogo já estava decidido). Foi ai que Scutaro não resistiu e aconteceu a foto que ilustra o post. Com a chuva caindo, ele não resistiu e abriu os braços, deixando a chuva cair. Ele sabia que o jogo estava decidido e que eles tinham feito o que parecia impossível.

Ele estava simplesmente aproveitando o momento, saboreando tudo que o time tinha feito, todos os milagres que cairam no lugar certo pra levar o Giants até ali. Eles fizeram o que parecia impossível, ganhar três seguidas fora de casa do Reds, depois ganhar mais três jogos de eliminação contra os atuais campeōes. Foi a cena mais sincera desses playoffs, um jogador extremamente intenso que viveu dias muito ruins em termos de baseball com o Red Sox ano passado e com o Rockies esse ano, um veterano de 37 anos em busca de uma última chance de ganhar um título simplesmente reconhecendo tudo que o time estava lavando junto com aquela chuva e aquela virada, quase como se agradecesse a uma ajuda superior por tudo que estava indo da melhor forma possível pro Giants. E isso continuou na World Series, mesmo com uma certa facilidade pro Giants na varrida: No Jogo 1 entre Zito e Justin Verlander, no papel um dos duelos menos equilibrados da história da World Series, Zito arremessou mais um excelente jogo (5.2 IP, 1 ER) e viu Verlander saiu na terceira entrada após ceder quatro corridas e dois HRs. Além disso, Pablo Sandoval ainda rebateu um terceiro HR e o time viu Gregor Blanco fazer duas lindas defesas no OF com jogadores em base. No Jogo 2, Madison Bumgarner voltou depois de 10 dias fora, relegado ao Bullpen para arrumar seu arremesso após péssimos playoffs, sem controle nem velcidade... E claro, Bumgarner continuou de onde parou na sua última World Series (8 IP, 3H, 0 ER contra o Rangers) para arremessar mais um jogo sensacional (7IP, 2H, 0 ER), mas não sem antes o Giants conseguir mais uma espetacular jogada defensiva, quando Blanco, Scutaro e Posey fizeram uma jogada perfeita pra eliminar Prince Fielder no home plate depois de um double de Delmon Young que poderia ter mudado o rumo da série se anotasse a corrida, e mais um milagre ofensivo (um bunt do Blanco parar a milimetros da linha de foul). No Jogo 3, mais uma performance espetacular de Vogelsong e mais um grande jogo de Blanco (RBI triple, anotou corrida depois), com Pablo Sandoval fazendo espetacular defesa num liner do Cabrera que teria sido um double. E no Jogo 4, com Matt Cain em um jogo bom, mas não ótimo, Posey recuperou sua forma da temporada com um 2-run HR, e Scutaro acertou a rebatida da vitória (impulsionando Ryan Theriot, jogador de quem Scutaro roubou a vaga no time!) na décima entrada, o final perfeito pra um playoff perfeito.

Então sim, o Giants deu sorte em diversas jogadas, e escapou do buraco graças a pequenas coisas que foram acontecendo na hora certa e no lugar certo. Mas é assim que funciona: Nenhum milagre vai fazer um time ganhar três jogos de uma vez. Você precisa de vários pequenos milagres ao longo do caminho, e mais importante, você precisa continuar se colocando numa posição favorável a isso. E o Giants fez isso se recusando a perder, continuando lutando, jogando como um time e nunca desistindo. O time pegou fogo quando precisou e mais uma vez se superou quando precisou.

Sabe aquela cena de MIB3 quando um personagen fala sobre como ele gosta do tiítulo de 1967 do Miracle Mets por causa de todas as pequenas coisas que precisaram acontecer pra esse título acontecer? "Está vendo o LF? Ele só virou jogador de baseball porque seu pai não tinha dinheiro pra lhe comprar uma bola de futebol americano, e ao invés disso lhe deu uma luva de baseball quando ele tinha quatro anos...". Foi mais ou menos isso que aconteceu nessa temporada do Giants. O time perdeu seu closer logo na primeira temporada e ficou quase 100 jogos com dificuldades pra estabilizar o Bullpen, mas que achou um novo closer de elite em Sergio Romo, um jogador que entrou nas minor Leagues com 24 anos depois de terminar a faculdade pra seguir o sonho do seu pai; o time perdeu seu melhor rebatedor pra um caso de dopping na reta final da temporada... E claro, foi o que faltava pro time se encaixar e se unir, cada jogador cumprir seu papel e o time assumir sua identidade como um time de excelente defesa e excelente baserunning atrás do poder de Posey e Panda no bastão; Pence e Scutaro chegaram na reta final da Liga, mas logo deram a um time um pouco frio demais dois jogadores intensos que contagiaram todos os outros e assumiram o papel de líderes (com Scutaro rebatendo .364); teve Posey se recuperando de uma assustadora lesão pra ter o melhor final da temporada dos ultimos anos na MLB e provavelmente um NL MVP. E tudo isso antes do final da temporada regular.

Nos playoffs continuou: Com as costas contra a parede enfrentando o Reds em OT, o Giants anotou a corrida da vitória graças a um erro do Scott Rolen; O Giants viu seu duas vezes Cy Young, incapaz de continuar eficiente como titular, aceitando com naturalidade um novo papel no bullpen, e se reinventando como o melhor homem de relief da MLB; viu Ryan Vogelson, que chegou ao time ano passado com 35 anos depois de passar toda sua carreira nas Ligas menores e no Japão como um arremessador mediano, ter duas temporadas de All-Star e se tornar o primeiro pitcher desde 1966 a ter quatro jogos nos playoffs e um ERA abaixo de 1.00 (0.73), sem falar em ganhar três jogos cruciais; viu Barry Zito, o jogador mais criticado de San Francisco, ressuscitar em Outubro, arremessar o maior jogo do Giants na temporada (Jogo 5, NLCS) e repetir a dose contra Justin Verlander e o Tigers no Jogo 1 da WS; viu Madison Bumgarner, retirado da rotação titular pra passar 10 dias consertando seu arremesso, voltar na World Series e arremessar sete shutout innings brilhantes; viu o Cardinals cometer uma série de erros importantes nos jogos decisivos, em especial Kozma; viu Marco Scutaro surtar na NLDS e rebater .500, especialmente nos jogos decisivos; viu a bola milagrosa do Hunter Pence no Jogo 7 que tinha 99% de chance de virar uma queimada dupla virar tres corridas; viu Pablo Sandoval, rebater tres HRs num jogo de WS, algo que só Babe Ruth, Reggie JAckson e Albert Pujols tinham feito na historia; viu no Jogo 1 da WS uma eliminação de rotina na 3B que virou uma rebatida dupla porque a bola do Angel Pagan acertou a base e mudou de direção (e começou uma rally de 3 corridas); viu Gregor Blanco, um jogador que a essa época do ano passado estava jogando na Venezuela ainda em busca de um contrato na MLB, jogar a melhor defesa no LF de toda a MLB, rebater uma bola de sacrifício que ia sair de campo e parou MILIMETROS antes, lotando as bases para o RBI que venceu o jogo do Brandon Crawford (e depois uma rebatida tripla no Jogo 3 pra anotar a corrida da vitória); e por fim, viu um time que superou todos os problemas que poderia ter tido durante grande parte da temporada prevalecer contra um time muito mais favorito do Detroit, com Miggy Cabrera, Fielder e Verlander ficando em segundo plano contra Posey, Sandoval, Zito, Lincecum e todo o resto do time do Giants. Então sim, foi um título extremamente improvável, um time que superou todo o tipo de adversidades e situaçōes pra chegar aonde esteve. E, assim como o Miracle Mets, foi um time que dependeu de diversas pequenas situaçōes improváveis sem as quais esse time não teria chegado até aqui. Diversos golpes de sorte, erros dos adversários, bolas que acabaram caindo no lugar certo no momento certo. Vendo o resultado, parece um milagre. Mas um milagre que aconteceu porque o Giants continuou se colocando na posição pra esses milagres acontecerem, se recusou a desistir, e continuou brigando até o final.

Um último ingrediente que não pode ser deixado de lado nesse título do Giants, though. Eu sempre insisto nisso, que esportes envolvem mais do que está no papel, que existe mais do que juntar um monte de jogadores talentosos... Basicamente, que existe um conceito de "time" que não pode ser copiado. O que Isiah Thomas chamou de "O Segredo" do basquete, e que pode ser aplicado de diferentes formas a qualquer esporte no mundo. Sinceramente, em tantos anos de baseball, eu nunca vi um grupo que represente tão fortemente essa noção de time e que pratique tanto o "Segredo". Eles simplesmente adoram jogar juntos! Adoram dar risada, comemorar e dar apelidos entre si, adoram viver como um grupo. E mais importante, e talvez consequência, os jogadores não demonstram ego algum e só se medem pelo sucesso do grupo, não o individual. Ninguém liga pros próprios numeros, ninguém reclama de ir pro banco e cada um deles e todos conhecem exatamente seu papel na equipe. Quando o Giants ganhou cada um dos três jogos contra o Reds, todo mundo na equipe que dava entrevistas só sabia falar do Hunter Pence, que teve uma série muito fraca, e como ele inflamou todo mundo no vestiário, como sua energia e competitividade tinha contagiado todo mundo e inspirado todos eles a correrem até o ultimo segundo. Quando Alex Rodriguez foi pro banco no Yankees, ele só se preocupou em ficar parado no canto olhando tudo de longe e xavecando modelos na torcida, mas quando Lincecum foi pro banco incapaz de continuar de titular, ele continuou buscando ajudar o time da melhor forma como pode, torcendo feito louco pelos companheiros, e se reinventou como o melhor relief pitcher da MLB com numeros Mariano Riverescos (14 IP, 1 ER, 3H, 17 K... Are you fucking kidding me?!). Veja de novo os jogos 5 (NLDS) e 2 (WS), quando Lincecum ficou no banco em favor de Zito e Bumgarner enquanto os dois demoliam os adversários: Ninguem estava mais feliz e vibrante por eles e pelo time do que Timmy! Quando Ryan Theriot foi impulsionado no Jogo 4 pelo jogador que tirou seu lugar no time, ele só queria saber de gritar e comemorar com seus companheiros. Esse foi o principal motivo do Giants não querer reintegrar Melky nos playoffs, porque ninguem no time queria ele por lá, ele era um outsider que não fazia parte daquele grupo que se formou de vez quando ele saiu da equipe. Eles podiam usar seu bastão jogando de DH na World Series ou pinch-hitting, mas Bochy optou por perder talento pra ganhar em chemestry. E isso fez toda a diferença!

Todo esporte precisa de talento, mas também precisa que os jogadores aceitem o seu papel num time. Você precisa de uma hierarquia determinada e que todos os jogadores se combinem de alguma fora. Esse foi o grande papel, por acaso ou não, das trocas que o Giants fez na trade deadline: O Giants tinha jogadores demais como Posey, Cain e Zito, jogadores extremamente coletivos e focados, mas muito frios e concentrados. Ou então jogadores como Panda e Blanco, jogadores carismáticos e amigos de todos, mas que não assumem um papel de liderança. Faltava ao time um líder um pouco mais intenso, alguem com aquele fogo que contagiasse os companheiros, aquele jogador que grita quando o time faz uma boa jogada (pense Kevin Garnett quando chegou ao Celtics). Por isso a chegada de Scutaro e Pence foi tão fundamental, ela trouxe dois líderes vocais e extremamente intensos, dois caras que falam fora de campo e se matam dentro dele, torcem feito loucos pelos companheiros e sempre estão motivando os companheiros. Os dois, em especial Pence, logo se integraram ao time e ao vestiário, msa também - e talvez mais importante - adicionaram um ingrediente a mais à mistura de personalidades ao time. Quando o Giants precisava de uma cabeça fria e calma, eles tinham Posey e Cain liderando. Quando precisavam de energia e de forças extras, Pence e Scutaro faziam as jogadas de energia e agitavam todos os companheiros. E logo, todo o time seguia a deixa. A quantidade de infield singles do Giants nesses playoffs diz muito sobre essa mentalidade do time, que nunca deixava de correr uma base nem que as chances de chegar fossem mínimas, estavam sempre mergulhando pelo campo atrás de bolas e não desistiam de nenhuma jogada. Por isso, contra Reds e Cardinals, quando o time precisou de motivação e intensidade, foram Pence e depois Scutaro que deram a deixa, e o time seguiu. Quando o time abriu vantagem contra o Tigers, foi o jogo tranquilo e eficiente de Posey, Pagan, Vogelsong e Cain que fez o time manter o foco. Quando o time precisava que um jogador fosse pro banco ou exercesse um papel diferente pelo time, ele fazia, e todo o grupo o apoiava. Quando um jogador errava, o time todo tinha suas costas. E num time com vários jogadores que cresceram juntos dentro da organização, tantas histórias inspiradoras de superação (Zito, Vogelsong, Blanco, Posey), e tantos jogadores que estavam dispostos a se matar pela vitória, isso fez um bom time se elevar a um novo nível quando precisou. Eu não lembro de outro time (tirando o Sox de 2004) que tivesse isso em tão alto nível, gostasse tanto de jogar junto e onde os jogadores elevassem uns aos outros a um novo nível. Entre todos os times que vi na minha vida, talvez esse fosse meu favorito tirando aquele Sox.

Por isso eu gosto tanto daquela foto do Scutaro. No fundo, ela reflete tudo isso, um jogador genuinamente feliz de estar ali e de ter feito o que o Giants fez, um jogador que superou muita coisa pra finalmente realizar seu sonho de jogar uma World Series, alguém que estava se divertindo e aproveitando cada momento daquele massacre pra cima dos eventuais campeōes... E que não esperava estar ali, quase agradecendo a um poder superior por todas as pequenas coisas que caíram no lugar certo na hora certa para que esse time pudesse ter superado todos os obstáculos até aquele ponto. Seja Zito renascendo quando o time mais precisou, seja a rebatida dupla mais esquisita da história do baseball de Pence, ou simplesmente por todos eles puderem estar ali, juntos, fazendo história e ganhando seu direito de disputar o título. E assim como Andy Dufresne, posso garantir - e ele também - que Scutaro nunca vai esquecer o momento daquela foto, sob a chuva gelada outubro em San Francisco, ou da temporada 2012 do San Francisco Giants.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo blog e pela postagem da WS Vitor

    Ja tinha visto um pedaço ou outro de jogos da MLB mas nessa WS me interessei mais e comecei a aprender realmente o esporte, que é sensacional

    Bom, agora a temporada 2013 só volta la por março, espero ver postagens suas sobre a MLB na nova temporada, ate para conseguir me aprofundar mais no esporte hehe

    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo Post Fantástico!!

    Sua história de torcedor é bem próxima da minha.
    Sou torcedor dos 49ers desde que vi na TV um tal de Joe Montana. Os tempos passaram e meu filho se tornou um conhecedor de NFL, mas ele começou a torcer quando o NY Giants foi campeão em 2007.
    Passado um tempo, mais precisamente em Nov/2011, fomos para San Francisco assitir dentro da temporada regular o jogo 49ers vs Giants (27-20) pra nós (nós entendeu..rs) e nesse período conhecemos o San Francisco Giants, uma mistura de San Francisco 49ers e New York Giants, e passamos a torcer juntos para o San Francisco Giants.
    Foi uma delícia, eu (46) e meu filho (11) assistindo todos os jogos do Playoff do Giants e vibrando com as viradas e a varrida.
    Para nós, foi o nosso primeiro título de muitos...

    Parabéns novamente pelo post.

    Abs
    Ricardo

    ResponderExcluir
  3. Engraçado que parece a minha historia com a do meu pai (tambem um 49ers da geração Montana). Muito legal ver a NFL passando de pai pra filho no Brasil, era uma dimensão que o esporte nao tinha aqui ate muito pouco tempo atrás. Espero que continue assim!

    E como efeito de curiosidade, vale citar que o NY Giants tem esse nome porque quando foi criado, o time de MLB (muito mais popular na epoca) da cidade era justamente o New York Giants (que se mudou em 1954 pra SF), e por isso adotaram o nome do time de baseball local pra tentar atrair fãs (um caso muito comum na epoca).

    Parabens pra voces pelos jogos, que eu sei por experiencia propria que sao uma atividade deliciosa hehe. Um abraço!

    ResponderExcluir